Passos Coelho criou ONG financiada apenas pela Tecnoforma

A ideia foi do patrão da empresa de que Passos foi administrador. Organização teve também Marques Mendes, Ângelo Correia e Vasco Rato como fundadores.

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Passos Coelho era então deputado em exclusividade e nunca declarou o cargo que ali exerceu Miguel Manso

Pedro Passos Coelho foi o principal impulsionador, em 1996, de uma organização não governamental (ONG) concebida para obter financiamentos destinados a projectos de cooperação que interessassem à empresa Tecnoforma. O primeiro-ministro escusou-se a comentar esta intenção atribuída à organização por vários antigos responsáveis pela Tecnoforma, que pediram para não ser identificados, mas assegurou ao PÚBLICO que sempre encarou “com seriedade” a iniciativa da criação da ONG pelos donos da empresa.

A organização, denominada Centro Português para a Cooperação (CPPC), funcionava em Almada, na sede daquela empresa de formação profissional, da qual Passos Coelho se tornou consultor em 2002 e administrador em 2006. Entre os seus membros figuravam Marques Mendes, Ângelo Correia, Vasco Rato, Júlio Castro Caldas e outras destacadas figuras do PSD.

Idealizado por Fernando Madeira, fundador e à época principal accionista da Tecnoforma, o CPPC foi, na prática, uma criação de Passos Coelho, então deputado em regime exclusividade. Foi ele, em colaboração com João Luís Gonçalves — um advogado que tinha sido seu secretário-geral na JSD e que em 2001 comprou, com um sócio, a maioria das acções da Tecnoforma —, quem pôs de pé a ONG e encomendou os seus estatutos a um outro advogado, Fraústo da Silva, que também integrou o núcleo dos seus fundadores e foi igualmente dirigente da JSD.

Além de personalidades do PSD e dos donos da empresa, a ONG contou também com a colaboração de um deputado socialista, Fernando de Sousa, que era director da Acção Socialista, órgão oficial do PS, e foi eleito presidente da assembleia geral do CPPC por proposta de Passos Coelho. A organização tinha por objecto “o apoio directo e efectivo a programas e projectos em países em vias de desenvolvimento através de acções para o desenvolvimento, assistência humanitária, protecção dos direitos humanos e prestação de ajudas de emergência”.

No entanto, os três únicos projectos por ela promovidos que o PÚBLICO conseguiu identificar foram desenvolvidos em Portugal entre 1997 e 2000 e foram financiados em cerca de 137 mil euros pelo Fundo Social Europeu (FSE) e pela Segurança Social. Os respectivos processos foram pedidos pelo PÚBLICO, mas, segundo o Instituto de Gestão do FSE, dependente do Ministério da Economia, “não foi possível obter informação” sobre a sua localização.

Onze fundadores do CPPC ouvidos pelo PÚBLICO, incluindo Passos Coelho, afirmaram que a associação teve muita pouca actividade. Alguns, como Ângelo Correia e Marques Mendes, disseram mesmo que não tinham qualquer recordação dela — e nenhum se referiu aos três projectos financiados pelo FSE.

Passos Coelho disse ter participado na preparação de duas outras acções, uma para Cabo Verde e outra para Angola, mas afirmou que nenhuma delas se concretizou por falta de apoios. Apesar da escassa actividade de que há registo público, a associação ocupou desde 1996 e pelo menos até 2001 um amplo escritório da Tecnoforma em Almada, pagando a empresa uma remuneração regular a alguns dos seus dirigentes e pondo ao seu serviço várias viaturas, nomeadamente um BMW e um Audi.

O primeiro foi atribuído ao presidente da assembleia geral, Fernando de Sousa, e o segundo a João Luís Gonçalves, um dos dirigentes da ONG que auferiam uma remuneração. O advogado confirma ambos os factos, mas diz que o ordenado e o automóvel retribuíam os serviços que prestava como consultor da empresa, “desde 1995”, e não a sua colaboração no CPPC. Esta versão é desmentida por Fernando Madeira, o então dono da Tecnoforma.

Madeira negou também uma recente declaração de Passos Coelho ao PÚBLICO, em que este disse ter sido consultor da Tecnoforma desde o final de 1999 ou o princípio de 2000. “Tanto João Luís Gonçalves como Pedro Passos Coelho nunca tiveram rigorosamente nada a ver com a Tecnoforma enquanto eu lá estive, ou seja, até Agosto de 2001. É falso que Passos Coelho tenha sido consultor da Tecnoforma a partir de 2000”, garante.

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