Para quando um Master esfreg na RTP?

Vê-se que o mundo está escangalhado quando há 372 programas de televisão que ensinam a cozinhar, mas nenhum que ensina a limpar uma cozinha onde se cozinhou. Se eu ligar a televisão agora, posso aprender como se faz um escabeche de ceviche de carpaccio de beringela. Mas não encontro uma única rubrica que ensine como é que se tira uma mancha de gordura de borrego do tecto da cozinha. (Aconteceu em minha casa, quando me entusiasmei com o cutelo a desossar um memé e espirrou banha por todo o lado. O pladur do tecto falso absorveu o unto e ficou um mês a pingar sebo em cima do cesto do pão. Foi bom para apreciadores de torradas com bedum).

Os cozinheiros são super-estrelas, mas os limpadores talentosos permanecem anónimos. É injusto. Toda a gente sabe que o Henrique Sá Pessoa é um ninja a trinchar curgetes, mas desconhece que a D. Idalina, empregada da minha avó, conhece um truque de antanho para tirar arroz de ervilhas queimado de um tacho (a casca de ervilha calcinada gruda ao alumínio e custa a sair) usando apenas um palito dos dentes. E usando um palito nos dentes, que o style não é exclusivo dos chefs.

Também era simpático conhecermos pormenores sumarentos da intimidade, que dão glamour a essas personagens famosas. Se sabemos que a Nigella, digamos, compra mais farinha do que a que precisa para fazer pão, devíamos poder saber que a D. Idalina é viciada em metanfetaminas. O que, aliás, ajuda a explicar a arrumação da despensa da minha avó, em que cada feijão está individualmente embalado e inventariado.

Eu não cozinho, de maneira que tenho de arrumar a cozinha. Dava-me muito mais jeito descobrir dicas de limpeza do que as 27 maneiras de assar caju. Devia haver um programa tipo o do Anthony Bourdain, em que o apresentador ia pelo mundo a descobrir como é que outras culturas mantêm a cozinha impecável. Por exemplo, aposto que o leitor não sabia que os finlandeses invertem a disposição da máquina da loiça, com os talheres na prateleira de cima e os copos na de baixo. Incrível, não é?

Também seria espectador assíduo do Master Esfreg, um concurso com amadores das limpezas à compita. No fundo, fazem falta programas que ajudem a responder a grandes questões da higiene alimentar, como:

1) Qual a real eficácia do cuspo para limpar aquelas manchas esbranquiçadas que ficam nos copos quando saem da máquina, que parece que o CSI acabou de tirar impressões digitais?

2) Se tiver de deixar a loiça suja no lavatório de um dia para o outro, devo deixá-la a marinar debaixo de água, para os restos de comida não colarem? Ou deixá-la a seco, para não correr o risco de acontecer como quando deixei vários tachos submersos durante o fim-de-semana e, à volta, tinha um surto de malária na cozinha?

Enfim, são matérias que me preocupam. Aliás, eu próprio gostaria de disponibilizar os meus conhecimentos em fóruns criados para o efeito. Considero-me, modestamente, um perito em atenuar os danos de vomitado de criança. Desenvolvi uma estratégia que consiste em oferecer o corpo às golfadas para reduzir, desde logo, a área afectada. Contraintuitivo, mas eficaz: é mais fácil tomar um banho e pôr a roupa para lavar do que andar à procura de vomitado que, até pela sua condição viscosa, se infiltra em locais de difícil acesso, de onde, depois de ressequido, emanará fedores surpreendentes. Em princípio só não funciona se a criança estiver possuída por satã, como a miúda do Exorcista, e conseguir vomitar com a cabeça a rodar 360º.     

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