Os espaços de opinião no PÚBLICO

É evidente que nestes dias difíceis para a informação noticiada e comentada não podemos ignorar que nenhum acto de comunicação, particular ou público, é impermeável à nossa ideologia.

1.O exercício de pressão sobre determinados procedimentos é um tema comum e várias vezes repetido na comunicação social. Continuo a ser pressionado por diversos leitores para me pronunciar sobre os espaços de opinião no PÚBLICO. Mais propriamente, sobre os conteúdos dos textos editados nos espaços de opinião. Dito de outro modo, muitos leitores confrontam-me directamente com opiniões expressas no PÚBLICO e querem saber que posição o provedor toma, ou tomaria, sobre as mesmas. E, como tal, continuo a ser criticado por não interferir nesse espaço.

Ora, como vem enunciado no Livro de Estilo do PÚBLICO, "a opinião tem espaços claramente demarcados" neste jornal. "São de opinião por excelência o editorial", da responsabilidade de um elemento da direcção, "o comentário, assinado por um jornalista da redacção ambos em sintonia com a actualidade diária – e as colunas do Espaço Público, assinadas por colaboradores regulares e/ou ocasionais – estas de tema livre e mais intemporal".

Há, portanto, neste redimensionamento dois espaços de natureza diferente: 1) a opinião assumida pelo próprio jornal; 2) e a opinião emitida pelos comentadores, sejam eles jornalistas do próprio PÚBLICO, colaboradores regulares ou ocasionais. Quer sobre os primeiros, quer sobre os segundos tenho sido interpelado.

O espaço de opinião em qualquer media é uma componente indissociável do cumprimento de estar ao serviço de garantir aos cidadãos, em vivência democrática, o direito de informar e ser informado, o direito à livre expressão de opinião. Por estatuto editorial, o PÚBLICO, como o interpreto, tem não só o compromisso de garantir esse direito, como faz questão de facultar grande espaço a essa indissociável componente – o jornal, mas muito principalmente qualquer meio de comunicação social que queira fazer parte integrante do sistema democrático.

2. Corro o risco de estar a repetir questões mais do que elementares e de intuição genérica na doutrina do papel dos media na garantia da cidadania. Mas, provavelmente, hoje, nos dias difíceis que estão a marcar os fenómenos de mediação no país, não será despiciendo retomá-las. Convém, aliás, acrescentar outras considerações.

Uma sociedade democrática e de livre opinião é de sua natureza uma sociedade com o culto de uma opinião diversificada, divergente, conflitual. Sempre, mas sobretudo quando se vive intensamente um "estado de crise normalizado", de coesão social fortemente ameaçada pelo confronto de valores estruturais constitutivos da sua própria identidade. E, quando aludo ou invoco a designação de dias difíceis para a comunicação social do país, é porque, efectivamente, não considero fácil o papel de informar, ou "opinar sobre", num país que, de momento, tem um ex-primeiro-ministro preso, um banco – alavanca na arquitectura sistémica da actividade económica e financeira – delapidado, ou as suas principais forças políticas em duelo público permanente na "guerra dos votos".

3. Porém, no espaço da informação e da comunicação interessa não escamotear que o "caso Sócrates", o "caso BES/GES", o "caso dos submarinos", qualquer que seja o desfecho que venham a ter no plano da Justiça, são desde já "casos/eventos mediáticos" com as suas repercussões realizadas. Toda a notícia, e toda a informação ou opinião sobre ela acoplada (passe o francesismo) dão substância, natureza, a esse evento notícia e responsabilizam-na por todas as consequências criadas. Por isso, podemos vir com toda a retórica ou todas as formulações do cumprimento ou não da figura de "presunção de inocência", de "segredo de justiça", da diferenciação entre arguido e acusado, de julgamento transitado nos tribunais ou na praça pública, do ritmo temporal dos tribunais ou dos media, os "casos/eventos notícias" já estão aí, chegaram primeiro. Com todos os efeitos e sequelas. E este é o desfecho deste tempo comunicacional que vivemos. O acto comunicacional em si mesmo é um evento. Um acontecimento. Uma nova ordem comunicacional que conflitua com a própria ordem do direito ou da Justiça.

4. Obviamente que esta constatação aumenta a responsabilidade de cada informação. De cada opinião. De cada comentário. De cada jornalista ou comentador. Mas nem por isso ou até por isso, como provedor do Leitor, vejo comprometida a minha posição de não interferir no espaço livre da opinião. Quando muito, tenho de interceder pelo cumprimento da responsabilidade da produção de informação, do comentário.

Quanto ao PÚBLICO e seus jornalistas, é de relembrar o que diz o já referido Livro de Estilo: "Os casos judiciais ou ainda em fase de investigação policial (ou de outro âmbito minimamente controverso) devem ser tratados com a máxima precaução e distanciamento da origem das acusações. Nenhuma notícia, título ou legenda deve confundir a suspeita com a culpa." Porventura, discordâncias que tenha tido manifesto-as internamente à direcção ou aos visados. Não verifiquei situações que, em defesa da credibilidade do jornal ou do não cumprimento de regras deontológicas, me exijam publicamente intervir. Não quer dizer que não tenha algumas queixas dos leitores em análise. Fique, contudo, bem claro: não esqueço e até reafirmo o que, em crónica publicada em 23/11/2014, escrevia: investigação policial e investigação jornalística seguem caminhos diferentes, mas têm, naturalmente, cruzamentos inevitáveis.

Relativamente aos comentadores, regulares ou ocasionais, com efeito discordo de muitas opiniões ou comentários. Mas considero o espaço de opinião um campo em que não devo, não tenho o direito de interferir. Aliás, o próprio Estatuto Editorial do PÚBLICO congrega determinadas fronteiras limites ao cumprimento desse estatuto e caberia à própria direcção agir em conformidade. Quando muito, ao provedor compete alertar a direcção por obrigações não respeitadas.

É evidente que nestes dias difíceis para a informação noticiada e comentada não podemos ignorar que nenhum acto de comunicação, particular ou público, é impermeável à nossa ideologia, à nossa maneira de ser, pensar e agir. No meu território e no dos outros. Talvez, neste sentido, tenham significado as palavras de Pierre Bourdieu: "Só podemos produzir a verdade do interesse, se aceitarmos questionar o interesse pela verdade."

CORREIO LEITORES/PROVEDOR

Conforme os próprios leitores podem constatar, alonguei-me na crónica. Não poderei, por isso, incluir a habitual rubrica do Correio dos Leitores. Aliás, tenho algumas reclamações em análise, tais como uma referente ao tratamento de uma notícia sobre o PCP, ou ao espaço do PÚBLICO dedicado ao desporto ou à crónica desportiva e ainda a cartas enviadas para o provedor e a aguardar resposta.

Cabe talvez, aqui, sem querer relevar essas faltas, desejar a todos os leitores, sempre muito cooperantes com as minhas tarefas, um Bom Natal e um Feliz Ano de 2015, ano em que devem continuar os dias difíceis, como aludo nesta crónica.

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