O saneado Baptista-Bastos

Que Baptista-Bastos insista em arvorar-se em consciência moral do jornalismo português, é problema meu. Não gosto. Não engulo. E regurgito.

Quando chega a hora dos despedimentos nos jornais, há uma diferença profunda entre o homem comum e Baptista-Bastos. O homem comum é dispensado. Baptista-Bastos é saneado. Ao longo da sua invejável carreira de mais de seis décadas, em que passou (palavras suas) “por todos os jornais nacionais”, a sua saída de dezenas e dezenas de publicações só se verificou por um de dois motivos: ou porque teve melhor proposta para o seu imparável génio, ou porque tentaram calar a sua infatigável voz.

Em Junho deste ano, o grupo Controlinveste avançou para o despedimento colectivo de 160 trabalhadores. Nessa leva, saíram do DN excelentes jornalistas, que teriam lugar em qualquer redacção. Nenhum deles, ao que consta, foi saneado. O primeiro e único saneamento ocorreu no início de Outubro, quando o novo director do jornal, André Macedo, telefonou a Baptista-Bastos e anunciou que prescindia dos seus serviços. Na verdade, não foi só dos serviços de Baptista-Bastos que André Macedo prescindiu: também prescindiu de Celeste Cardona, José Manuel Pureza ou Manuel Maria Carrilho. Mas esses foram dispensados. Baptista-Bastos, não. Baptista-Bastos foi vítima de “um acto absurdo, somente justificado pelas ascensões de novos poderes”. Até porque, imaginem, as suas crónicas “chegaram a obter 15 mil visualizações [uau!], dezenas de impressões e de envios”.

Vai daí, escreveu um texto de despedida onde glorificava o anterior director, João Marcelino, por ser “um jornalista com os princípios marcantes de outro tempo”. Incluindo-se nesses magníficos princípios, claro está, o facto de o ter contratado. Eu também trabalhei com João Marcelino, e tenho-o em boa consideração, só que Baptista-Bastos esqueceu-se de abordar no seu colorido texto este pequeno detalhe: foi sob a sua direcção que ocorreram dois despedimentos colectivos no DN. E custa-me ver um homem que tem tantas, tão profundas e tão apregoadas preocupações sociais manter-se muito caladinho quando dezenas de pessoas são despedidas no jornal onde colabora, para depois rasgar as vestes e perorar contra os “porta-vozes estipendiados” só porque desta vez lhe tocou a ele – sendo que a mudança de colunistas, ao contrário do despedimento colectivo, é um acto banal.   

Mas esperem, que a história não acaba aqui. Passadas escassas três semanas, eis que o imparável génio de Baptista-Bastos e a sua infatigável voz surgem esta terça-feira a animar as páginas do Correio da Manhã, precedidas de declarações com a modéstia do costume: “É feio dizer isto, mas era um colunista muito lido. Tinha 20 mil visualizações no site. Foi um saneamento típico.” Para além da súbita inflação de 33% nas visualizações, há ainda lindas palavras para Octávio Ribeiro, seu novo director, e para o CM.

E claro: na sua estreia, o ex-silenciado B.B. escreve mais uma daquelas crónicas autocentradas que ele tanto aprecia, onde os parágrafos mal conseguem andar, tal é o engarrafamento de elogios à sua própria pessoa. Devo dizer que nada disto importaria excessivamente, não fossem dois pecados capitais. Em primeiro lugar, a inveja: em tempos, eu cheguei a ser dispensado do Correio da Manhã por Octávio Ribeiro, e é triste não ter sido saneado só porque sou um tipo de direita nascido em 1973. Em segundo lugar, a ira: que Baptista-Bastos seja Baptista-Bastos, é problema dele. Que ele insista em arvorar-se em consciência moral do jornalismo português, já é problema meu. Não gosto. Não engulo. E regurgito.

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