O espaço público

Dezasseis polícias ficaram feridos, e cento e tal civis, porque da câmara ao corpo de intervenção ninguém quis desgostar os benfiquistas em véspera de eleições.

Os clubes de futebol gastam do seu próprio bolso 2,5 milhões de euros por ano para manter a ordem antes, durante e depois dos jogos. Parece muito, mas também o Estado contribui com 3,5 milhões para ajudar a que o cidadão se possa divertir em sossego. Os distúrbios no Marquês de Pombal foram provocados por uma mistura de oportunismo político e de inconsciência. A PSP fez saber à Câmara Municipal de Lisboa que se opunha à “festa” do Benfica e, sobretudo, à criação de um palco circular e à venda de bebidas.

A câmara alegadamente não se ralou. Como negou que a Associação de Bombeiros Profissionais de Lisboa acusasse o Benfica de não ter garantido as “condições de segurança” a um “evento” para que se esperavam entre cem a duzentas mil pessoas. Pior ainda o comando de intervenção não mandou fardar as suas tropas, prevendo qualquer possibilidade de violência; 16 polícias ficaram feridos, e cento e tal civis, porque da câmara ao corpo de intervenção ninguém quis desgostar os benfiquistas em véspera de eleições.

No meio desta desgraça, um ou outro político levantou a questão do “espaço público”. Para meu espanto, Pedro Santana Lopes foi o primeiro e o mais taxativo. Disse ele: “Celebrações de futebol, cada uma no seu estádio.” “Se querem fazer mal”, acrescentou, que o façam em casa. A ideia de que o espaço público de uma cidade serve para uso privado de qualquer cidadão é aberrativa. O “espaço público”, como o nome indica, serve por natureza para o uso e a conveniência da colectividade. Ninguém pode pedir a ninguém que o evite, ou mesmo que “lhe fuja”, em nome de fins particulares (desportivos, musicais, políticos, religiosos) sem a licença da polícia, o estabelecimento de alternativas e a vigilância da autoridade. A isto se chama “civilização”, já conhecida na Grécia e em Roma.

O eng. Nuno Abecassis mandou pôr um muro à volta de uma parte de Belém para alugar lotes a tabernas que vendiam sardinhas. Sá Carneiro mandou remover essa cangalhada pseudopopular. Hoje não há cão nem gato que não se sinta no direito de ocupar as ruas e as praças de qualquer cidade para ouvir um cantor ou um “grupo”, ou comer numa “feira gastronómica” sem vestígio de sentido, ou celebrar um aniversário obscuro. Esta excitação acabou por ser uma actividade normal que o Estado protege e subsidia. Mas, muito enfaticamente, não é.

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