O escândalo em Portugal

Portugal tem finalmente um escândalo apesar de ser um país pouco dado a escândalos. Para quem não se lembra, houve até uma série de governos que mereceram o nome genérico de “Devoristas” pela maneira como venderam os bens da Coroa e da Igreja aos notáveis do liberalismo. Como houve também um ministro que deitou fogo ao ministério das Finanças, para se livrar dos “papéis” da dívida pública e privada. Ninguém se atribulou excessivamente com estas ligeiras irregularidades e os culpados, ou presumíveis culpados, viveram o resto da sua vida gozando da consideração da Pátria e dos seus pares. Alguns morreram mesmo generosamente condecorados e homenageados por um luto nacional a que a rainha, a corte e o parlamento se associaram com toda a sinceridade.

Quando o ódio político se misturava ao escândalo, por mesquinho que fosse, as coisas não corriam tão bem. O radicalismo perseguiu afincadamente Costa Cabral por causa de uma caleche, consta que de má qualidade, oferecida (ou não) por um negociante chamado Frescata, a troco de um hábito de Cristo ou de qualquer outra honra similar. Saldanha passou por um mau bocado no parlamento, acusado de pagar um retrato da sua magnífica pessoa com dinheiros do orçamento. “Roubámos todos”, disse na altura Costa Cabral e isso bastou para acalmar a excitação das massas. Mas veio logo o sexo substituir a ganância. Corria que o ditador dormira com D. Maria e que organizava orgias, com a ajuda de um francês, na Cova da Moura, em que participavam bailarinas. A intimidade com a rainha ainda sobressaltou alguns familiares da Corte, as bailarinas da Cova da Moura não provocaram o mais leve incidente.

No meio disto, a Infanta D. Maria de Jesus fugiu com o marquês de Loulé, que a megalomania indígena considerava “o mais belo homem da Europa”. Infelizmente a Infanta não aturou tanta beleza durante muito tempo e Loulé acabou por estabelecer uma casa à parte com uma cocote da moda. O que não o impediu de governar Portugal perenemente, como ministro e mais tarde como presidente do Conselho. O sexo aqui definitivamente não pegava. E as falcatruas do liberalismo a partir de 1851 duraram até à República, transformadas numa rotina, que se tomava por inevitável e, às vezes, até por necessária. Agora anda por aí um escândalo financeiro, que entusiasma o jornalismo e os peritos. Mas, num país sem ossos como Portugal, não parece que resista à nossa atávica complacência.

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