O discreto general que Sá Carneiro associou à ideia "um presidente, uma maioria e um governo”

É destacado pelo percurso militar. Perdeu pela AD a Presidência da República contra Eanes. Na curta passagem pela política descrevem-no como pouco “galvanizador”.

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Um profundo militar e nunca um político carismático. O general António Soares Carneiro, que ontem faleceu aos 86 anos, é assim, amiúde retratado. Com um percurso de vida vincadamente castrense e publicamente discreto, o general fica conhecido como aquele que o então primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, escolheu como candidato pela Aliança Democrática (PSD,CDS e PPM) para as eleições presidenciais de 1980.

Foi precisamente a “brilhante carreira” militar que o Presidente da República (PR), Cavaco Silva, ontem destacou. Enalteceu ainda a “notável abnegação e patriotismo” do homem que esteve na criação dos comandos. O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, considerou que o general deu um “contributo inestimável” para a consolidação da democracia portuguesa.

Intriga, porém, ainda hoje porque é que Sá Carneiro, um galvanizador de convívio difícil com o então PR, Ramalho Eanes, o escolheu. “É um mistério. Até porque têm perfis opostos. Soares Carneiro era um militar sério, mas não era um político. Era cinzento. Não mobilizava”, ilustra o jornalista Francisco Sarsfield Cabral que na altura acompanhou a campanha.

CDS de Amaro da Costa tê-lo-á indicado
Também Medeiros Ferreira, deputado à Assembleia Constituinte e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, sublinha a “surpresa” com que foi recebida a candidatura do general. “Era impensável. Julgo que foi mais o CDS — que tinha Amaro da Costa na liderança do Ministério da Defesa — que se radicalizou à direita e que o indicou”, conta o professor que saiu então — com outros dissidentes — do PS para o movimento dos “Reformadores”. Movimento que em 1979 se juntou à AD. “Mas depois sai. Apoiei Eanes”, esclarece.

A verdade é que seria impensável, na altura, o candidato não ser um militar. O Conselho de Revolução acabou apenas em 1982. Era presidido pelo PR e funcionava como um órgão de tutela da vida política. Vivia-se ainda muito de perto o 25 de Abril de 1974 e toda a agitação social e política que o caracterizava.

Sarsfield Cabral, que chegou a colaborar com a comunicação da campanha presidencial, sublinha que “não tem dúvidas de que politicamente, o general não tinha luz própria”. A escolha de Sá Carneiro — por um militar nascido em Cabinda e conotado com o colonialismo — deixou a direita em estado de “perplexidade”, diz Sarsfield. Muitos opunham-se.

Contudo, a morte de Sá Carneiro e de Amaro da Costa, na queda de um avião precisamente quando viajavam para o Porto para um último comício de apoio ao general a três dias das presidenciais, chegou a ser considerada, por alguns, como um requiem para a vitória do general. “Pensou-se que poderia influenciar psicologicamente, mas não teve efeito”, diz Sarsfield.

“Uma maioria, um Governo e um Presidente”
O projecto de poder de Sá Carneiro era então o de “uma maioria, um Governo e um Presidente”. Aliás, os cartazes de apoio a Soares Carneiro usavam o lema. “Muitos pensaram que escolher o general foi um erro. Ele, e a morte de Sá Carneiro, protagonizaram a derrota desse projecto”, aponta ainda Sarsfield. Alguns sectores políticos viam no general o exemplo de um militar perfeito num homem que enquanto político era considerado inábil.

Aliás, recorda Sarsfield, os adversários políticos aproveitaram o passado contra ele. Lembraram a sua forte conotação com a guerra do Ultramar, com um tempo antes da Revolução dos Cravos e o seu alegado pendor colonialista.

Em 1980, Eanes — independente com o apoio do PS - voltou a conquistar Belém com mais de 56% dos votos. Soares Carneiro ficou pelos cerca de 40%. Otelo Saraiva de Carvalho, independente, não se aproximou dos 2% dos votos. Candidataram-se ainda os independentes Carlos Galvão de Melo e António Pires Veloso, também militares de Abril, assim como António Aires Rodrigues (Partido Operário de Unidade Socialistas) e Carlos Brito (PCP) que acabou por desistir a favor de Eanes.

O general, antigo governador interino de Angola em 1974, voltou então à sua discrição habitual. Só em 1989 viria a ser falado novamente. Nessa altura, com o então primeiro-ministro Cavaco Silva regressou a uma liderança que lhe era mais ágil que a política. Até 1994, foi chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Permanecia no hospital das Forças Armadas, em Lisboa e morreu ontem vítima de doença prolongada.

 
 

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