O espírito do tempo desagradável

Adquiri Global Crisis: War, Climate Change and Catastrophe in the XVIIth Century. Sou fã de ficção científica e, como o livro é sobre alterações climáticas em pleno séc. XVII, achei que era a  história de uma frota de automóveis de grande cilindrada que entram numa máquina do tempo e aparecem a 17 de Junho de 1665 a meio de uma escaramuça entre portugueses e espanhóis, perto de Borba. Depois, com acelerações parvas, atafulham a atmosfera de CO2, alterando o clima. Uma espécie de “O inaudito engarrafamento na batalha de Montes Claros”, se escrito por Mário de Carvalho.

Afinal, parece que não. É mesmo um relato histórico. Diz que no séc. XVII o clima arrefeceu globalmente, transtornando a vida a toda a gente. Foi a chamada Pequena Idade do Gelo. Na altura, irritados com a intempérie contínua, os soberanos europeus proibiram aos seus súbditos os comportamentos que causavam estas anomalias climáticas. Na Baviera, proibiu-se: dança, jogo, álcool, sexo fora do casamento ou banhos conjuntos de homens e mulheres (o que é esquisito, porque são actividades que geram calor nos corpos e ajudariam, justamente, a mitigar o frio). O Parlamento inglês proibiu o teatro, condenou actores e, a dada altura, cancelou o Natal.

O extraordinário é que não se proibiram os produtos petrolíferos energéticos, as viagens aéreas ou os sacos de plástico. No fundo, as coisas que, sabemos agora, causam alterações climáticas como as que se viviam então.

Para as combater, realiza-se hoje em Nova Iorque a People’s Climate March, uma manifestação com franchises no mundo inteiro. Vai ser a maior concentração de pessoas a quererem controlar o clima desde que, em 1834, as tribos Choctaw, Sioux e Apache se reuniram para uma megadança da chuva. Foram mais de 300 mil índios a abanar o cocar, espalhando penas como galinhas atrevidas. Lamentavelmente, não choveu. Os Sioux culparam os Apaches por cantarem “Eieieioh, eieieioh”, quando a fórmula certa seria “Eieioh, eieioh”. Os Apaches acusaram os Choctaws de não terem ritmo e dançarem como brancos. Os Choctaws acharam que valeu pelo convívio.

Entretanto, o mundo evoluiu e não se pode comparar a ciência actual com as superstições de civilizações primitivas. Os índios achavam que se controlava o clima através da dança. Hoje, na posse de tecnologia avançada, sabemos que não é preciso bailar. Para mudar o clima, basta querer com muita força. Usar telecinesia meteorológica. É que, apesar de as emissões de CO2 continuarem a aumentar todos os anos, há 18 anos que as temperaturas estão estacionárias. Ora, se as emissões de CO2 sobem, mas as temperaturas não, a pausa só pode ser resultado da força do desejo (e, claro, de imensos likes no Facebook). Ou então não são as emissões humanas de CO2 que comandam o clima. O que é estapafúrdio, porque significaria que a nossa espécie não manda nisto tudo, o que não tem sentido nenhum.
         
P.S. — É curioso que as alterações climáticas são sempre causadas por acções humanas agradáveis, como festas ou viagens. Nunca se diz: “O clima está a mudar porque muitas pessoas vão descalças à casa de banho a meio da noite e dão pontapés com o dedo mindinho em esquinas de móveis. Vamos proibir os pontapés com o dedo mindinho em esquinas de móveis antes que desapareça o gelo do Árctico!” Eu coxeava nessa marcha. 

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