"Resignação. Aceitação. É a novidade do Natal pós-troika"

O PÚBLICO pediu aos leitores que contassem como será a época natalícia depois da saída da troika. A palavra “emigração” marca muitos discursos. E há quem desabafe: “Viverei o pior Natal da minha vida.”

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Menos prendas e fartura à mesa mas mais família marcam Natal dos leitores Nuno Ferreira Santos

Emigração, desemprego, incapacidade financeira. São estas as principais características que vão marcar o Natal de 2014 dos leitores do PÚBLICO, o primeiro após a saída da troika. Perguntámos de que forma esta época natalícia será diferente. A maioria não encontrou diferenças com as anteriores. A singularidade surgiu no valor crescente dado à família.

"Este que é o primeiro Natal pós-troika é o último Natal como residente em Portugal." Ivânia Alves, 31 anos, de Santa Maria Feira, vai ter uma consoada marcada por um "sentimento de descrença e a certeza de que, mesmo a troika saindo, o país não vai recuperar na próxima década".

A consoada da neurologista vai ter gosto a "despedida". "Uma despedida que sei e eles [familiares] suspeitam ser para muitos anos ou definitiva."

Ivânia indigna-se com o futuro que se avizinha com a fuga de portugueses para o estrangeiro: "E daqui a 10 anos, como será o Natal pós-troika? Quando a massa crítica estiver cá só de visita? Quando a produção de ideias for feita no exterior?"

A ausência de optimismo é partilhada por Augusto Antunes, 52 anos, director comercial de Viseu. Neste Natal na Beira Alta, a família vai estar junta e à mesa não vão faltar as "típicas iguarias da época natalícia". "Bacalhau bem regado e muitos doces! Os frutos secos, sempre!"

Mas "há alguma tristeza com o caminho do país rumo a muita incerteza e paira no ar algum inconformismo entre a classe mais jovem da família", conta. A família receia que os seus membros mais jovens estejam de partida. "O Hugo irá para Inglaterra em Janeiro? A Carolina, novel médica, acabará a exercer na Suíça? A Leonor – estudante de Gestão na Nova tem já o intercâmbio internacional previsto para Londres-Canadá… acabará por lá ficar?”

“Este país não é para velhos, será para os novos?”, questiona.

A emigração também vai ser tema de conversa deste Natal entre os familiares de Diana Isabel, uma professora de 34 anos que este ano se despede de Portugal. Com o fim do subsídio de desemprego e sem trabalho, Diana tomou a "muito difícil decisão" de ir à procura de "uma vida, de um emprego, de um rumo, de um FUTURO!"

"Uma família unida, desunida pela crise", lamenta quando se prepara para o primeiro Natal "sozinha, num país diferente", Inglaterra, no Reino Unido.

Sozinha ficou Ana Cristina Neto, mas no seu país. O Natal era passado em casa dos pais, em Tavira. Com a emigração da irmã, médica, no último Verão, para França, a consultora em formação profissional, de 50 anos, encontrou a solução de estar perto da família com uma viagem até Saint-Etienne, a nova morada da irmã. "Grande mudança na minha compra de prendas: comprei todas as prendas na Amazon, com entrega em Saint-Etienne. Poupei no custo do transporte", conta. Consigo, mas no porão, vai o tradicional bolo-rei.

Margarida vai ter um Natal de união com a família mas, para encurtar a distância e a saudade dos que gosta e estão espalhados pelo mundo, vai contar com o auxílio do Skype, serviço online de videochamada, e refundar uma "mesa global para poder unir continentes e partilhar do espírito natalício". Mas o Natal não será, de "forma nenhuma, o Natal pós-troika". "O meu Natal de 2014 será o natal de Passos e onde o Coelho não tem nem nunca terá tradição", escreveu Margarida.

Natal de "imitação"
O Natal de Lucinda Coutinho Duarte, socióloga, 65 anos, "não vai ter o mesmo fulgor de outros tempos". A mesa não vai ter a melhor louça, a comida está longe da fartura a que a família estava habituada e até mesmo a roupa especial que se escolhia para vestir não faz parte da lista de tarefas deste ano. "Sim, porque a partir de agora tenho que me contentar com a ‘imitação’ do que antes eram as ceias de consoada, recorrendo com imaginação redobrada a compras nos supermercados mais económicos e aos enfeites comprados à socapa na loja do chinês", desabafa.

Na casa do leitor Manuel Montemor, o desemprego há muito bateu à porta. O subsídio que recebe paga apenas um alojamento, ficando todos os meses por conseguir o dinheiro para as "necessidades mais básicas ao nível da saúde". "No primeiro Natal pós-troika, viverei o pior Natal da minha vida por continuar sem conseguir trabalho aos 60 anos e viver do subsídio social de desemprego." A filha de 9 anos não vai ter uma prenda do pai.

"A troika foi embora e ficámos com menos. Menos. Para sempre menos. Resignação. Aceitação. É a novidade do Natal pós-troika." É desta forma que Laura Vieira, advogada e empresária, 45 anos, resume a época natalícia. Mãe de três lamenta que não se dê a "verdadeira importância ao altruísmo que é ter tido filhos". "Somos asfixiados em impostos, termos uma família de três filhos afigurou-se indiferente aos últimos governantes. Afinal no futuro para que servem as crianças? Como viveremos numa sociedade com tão poucos jovens e tão envelhecida?", questiona.

Apesar das contenções, impostos, desemprego, Rita Castro acredita que vai ter um Natal "mais alegre". No lugar dos presentes e da mesa a abarrotar com bacalhau e doces, a professora, de 30 anos, tem preparada uma Consoada alternativa centrada na família. Vai haver uma banda de música, jogos e uma caminhada no dia 25. "Porque já não importa o desembrulhar dos presentes [não há dinheiro]. A comida será a que se planta no quintal [não há dinheiro para o bacalhau]. Mas antevejo que será o Natal mais divertido e que vamos realmente estar uns com os outros."

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