Não TAP os ouvidos: aviões parados não fazem barulho

Não sei porque é que o Governo insiste em privatizar a TAP. Não se consegue privatizar uma empresa que não pertence ao Estado. Para a poder privatizar, há que nacionalizá-la primeiro. Só depois de expropriar o Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil é que se pode tentar arranjar donos novos.

Há quem julgue que os pilotos estão em greve porque, há quase 20 anos, João Cravinho lhes garantiu 20% numa futura privatização. Não faz sentido. Espero que os pilotos não estejam em luta para trocar os actuais 100% que detêm por 20% que possam vir a ter. Revelaria um péssimo domínio da matemática por parte de quem se espera que efectue cálculos complexos para acertar em cheio com um caixote de ferro alado de 500 toneladas no meio de 1km de asfalto.

A TAP é-nos é muito querida. A sua proximidade aos portugueses é comovente. Mas não é a proximidade entre compatriotas. É a proximidade muito pouco habitual entre proprietários e os clientes. Em que outra companhia aérea é que os voos começam com o comandante a dizer: “This is the owner speaking”?

Diz-se que a TAP perdeu prestígio. É falso. Aconteceu justamente o contrário, a greve granjeou prestígio. Que pássaro possui mais prestígio no céu: um pombo ou uma águia? Pombos há aos pontapés, já a águia é muito mais exclusiva. Neste momento, da minha janela, avisto 27 pombos e zero águias (se visse alguma, já não ia ver nenhum pombo). Ora, exclusividade é prestígio. Os aviões da TAP são as águias da aviação, na medida em que são difíceis de observar. Mais um bocadinho e transformam-se nos dodós da aviação, na medida em que estarão extintos. Mais prestígio é difícil.

(Nota para depois: fazer o remake da Ilha da Fantasia, a série dos anos 80 em que todos os episódios começavam com um o pequeno Tatoo num campanário a tocar um sino e a gritar: “The plane! The plane!” Com aviões da TAP, a série sai baratíssima porque o avião nunca chega com as personagens. Não se gasta dinheiro em actores e guionistas, cada episódio tem só um senhor de fato branco e um anão a conversarem.)

Tudo isso concorre para a valorização da TAP, que está a liderar o lucrativo segmento comercial das férias de aventura. Se quer ir com a família para um resort com pulseirinha, quarto marcado e refeições à hora certa, a TAP não é para si. Mas se gosta de partir à descoberta, se quer ser surpreendido e nunca saber o que o espera, escolha a TAP. Ou terá férias de sonho, ou sonhos com férias.

A TAP é também a única companhia aérea que tem um cartão de fidelidade em que se podem acumular metros. Aquelas voltas irritadas entre o check in, o guichet das informações e a porta de embarque podem ser acumuladas e trocadas por mais voltas irritadas entre o check in o guichet das informações e a porta de embarque.

Não se pode dizer que a TAP não tenha avisado. Em 2011, lançou uma música cantada pela Mariza, Paulo Flores e Roberta Sá. Chamava-se De braços abertos. Sabe-se agora que era a avisar os passageiros que, se querem viajar na TAP, mais vale abrirem os braços e voar.

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