Justiça 2014: a pobreza das nossas elites

O arquivamento do processo dos submarinos é a prova das nossas limitações.

A prisão preventiva do ex-primeiro ministro José Sócrates marca indelevelmente o ano de 2014 no domínio da Justiça. Na verdade, reúne quase todos os ingredientes do agrado da opinião pública no que respeita aos acontecimentos judiciais: suspeitas de crimes graves com a privação da liberdade de figuras públicas no meio de um - alegado - enredo recheado de milhões de euros, de mentiras e de decepções públicas.

Falta o ingrediente sexual mas o ineditismo da situação, a gravidade dos crimes em causa e a personalidade pública do ex-primeiro ministro levam a que o chamado julgamento na praça pública - inevitável em relação à actuação pública de figuras públicas - se vá desenrolando quase diariamente e tenha a participação de milhões de portugueses.

Ainda no domínio da justiça criminal, naturalmente no top das preferências dos portugueses, temos o escândalo BES/GES que com a sua extensão "inquérito parlamentar" nos tem permitido ver um pouco dos bastidores pouco edificantes das nossas elites.

O receio que geram estes processos em quem procura perceber e melhorar - será possível? - a qualidade (?) da nossa vida colectiva é a de os processos se arrastarem indefinidamente e  não se chegar a lado nenhum em termos de certezas e responsabilização dos principais intervenientes.

O processo dos submarinos em que nenhum português tem dúvidas que houve pagamento de luvas e em que nenhum responsável se vai sentar no banco dos réus é um confrangedor exemplo desta ineficácia da nossa justiça. Mas esse não foi o caso nos processos em que são arguidos o ex-ministro Armando Vara, a ex-ministra Maria de Lourdes Rodrigues e o ex-líder parlamentar do PSD Duarte Lima em que se verificaram condenações, consideradas geralmente como pesadas, nos tribunais de primeira instância e que transmitiram à opinião pública a ideia que a justiça não está disposta a "facilitar a vida" aos políticos. Em 2015 saberemos as decisões que vierem a ser tomadas em sede dos recursos que estão a correr...

Se estas decisões representam o fim da "impunidade dos poderosos" que é sentida de forma difusa mas consistente na sociedade portuguesa é algo que ainda ninguém pode saber pelo que são particularmente censuráveis as sucessivas declarações da ministra da Justiça quanto ao referido  "fim da impunidade" a propósito de investigações criminais em concreto. Não sei se será o fim da impunidade mas tais declarações são, seguramente, o fim do princípio da presunção de inocência.

Se a ministra revelou bom senso no que toca à indicação da nova Procuradora-geral, tem que se dizer que a sua gestão do processo da reforma judiciária no aspecto da plataforma informática Citius - para além dos atrasos no funcionamento dos tribunais que provocou e se hão-de sentir ao longo de muito tempo - se revelou  de uma incompetência que provoca perplexidade.

Como foi possível dispensar a consultora externa nesta fase crucial? Como foi possível avançar para uma monstruosa migração de processos sem se estar certo de que tudo iria bem? Quem falhou neste processo? Como foi possível a ministra ter estado tanto tempo de olhos vendados quanto à realidade do que se estava a passar?

Certo é que a canhestra e mal sucedida tentativa de responsabilizar dois responsáveis menores e o facto de nem uma orelha, quanto mais uma cabeça, ter rolado, nos transmite a ideia que no ministério da Justiça, o tempo da impunidade e da irresponsabilidade não acabaram, antes continuam de vento em popa.

Quanto à reforma judiciária propriamente dita, ainda é cedo para avaliar das suas reais vantagens e desvantagens. Se é certo que havia tribunais cuja manutenção não fazia sentido e que a criação de diversos tribunais especializados espalhados por todo o país  faz todo o sentido,  a verdade é que está por provar que iremos ter uma justiça melhor e mais eficaz com esta nova organização judiciária. Sendo certo  que não se encontram quantificados os custos para as populações desta reforma e que serão, seguramente, elevados. Há, na verdade, que aguardar pelas prometidas avaliações da reforma que se confia, serão sérias.

A terminar o ano, o governo lançou-se numa clara ilegalidade ao determinar a requisição civil do pessoal da TAP antecipando-se e fazendo tábua rasa da decisão do Tribunal Arbitral que veio a definir os serviços mínimos que aqueles estão obrigados a prestar. Esta decisão – agira ultrapassada - foi mais uma manifestação da forma atrabiliária, opaca e pouco séria como o dossier TAP está a ser gerido neste fim de ciclo político.

Pessoalmente, não entendo que a TAP tenha de continuar sempre a ser uma empresa pública. E tenho as maiores reservas a muitos aspectos das "justas lutas"  dos trabalhadores e defensores da TAP. Mas não tenho dúvidas que esta privatização tal como está a ser "despachada" não augura nada de bom e deve ser travada a bem dos interesses nacionais e da nossa sanidade.

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