Foi só um?

É incompreensível que seja estabelecido um prazo de um mês para que a PSP proceda a um inquérito interno para saber o que fazer.

O assunto não requer grandes debates, nem admite dúvidas.

A violência exercida por um agente da PSP em Guimarães sobre um cidadão, o seu pai e os seus dois filhos é um acto criminoso que deve ser imediatamente punido. Não há provocação ou insulto por parte de um cidadão que justifiquem a reacção bárbara de espancar uma pessoa. Por maioria de razão é inadmissível, quando essa reacção parte de um agente da autoridade do Estado que em nome deste tem a função de zelar pela segurança pública. Pior ainda quando é um agente graduado, um subcomissário.

Por isso, é incompreensível que seja estabelecido um prazo de um mês para que a PSP proceda a um inquérito interno para saber o que fazer. É evidente que tem de haver um inquérito, bem como que o agente tem direito a defesa. Mais, o inquérito é importante para que o agente agressor se explique. Mas não há nenhuma razão para que a barbaridade cometida fique sem punição um mês. E que o inquérito decorra sem que haja a imediata suspensão cautelar de funções. Nada justifica que se arraste um inquérito sobre um acto desta gravidade. Mas também nada justifica que apenas seja investigado o comportamento do agente que usou de níveis bárbaros de violência.

A questão que se coloca nesta bárbara agressão a um cidadão, ao seu pai e aos seus filhos é a de saber que valores e que formação regem a PSP. E por que razão uma polícia dita "de segurança pública" é ela o agente de insegurança pública. Muito tem sido dito sobre este caso e no muito que tem sido dito há uma linha de argumentação que tende a considerar que este é um caso isolado, que foi um agente que cometeu um excesso, que foi um acto isolado. Mas do que é visto nas imagens captadas pela Correio da Manhã TV não é nem um acto solitário, nem a acção de um indivíduo que exorbitou as suas funções e se excedeu.

É certo que até podia tratar-se de um caso de um agente da PSP que se tivesse passado, tivesse enlouquecido, tivesse deixado extravasar toda a ira acumulada e dado um muro ou uma bastonada a um adepto de futebol. Mas não foi isso que se passou. O que se vê na gravação vídeo é uma família sentada num murete a dar água a uma criança e os agentes da PSP que os interpelam. Atenção, logo de início eram dois agentes, não um. E consoante a cena de violência se desenvolve, os polícias envolvidos nesta actuação bárbara chegam a ser seis. Mais: quando o agente desfere dois socos na cara do avô daquela família, há um agente que o está a imobilizar e afasta do filho e dos netos. E mesmo antes de o cidadão em causa ser brutalmente espancado pelo agente da polícia com um bastão, há um outro agente que imobiliza no chão a vítima da agressão, agente esse que também tem um bastão na mão.

Já agora saliente-se que, quando o graduado da PSP investe para o empresário para o espancar, atropela a criança que estava a ser assistida. Criança que é depois afastada da cena de horror por um outro agente da PSP, que procura evitar que ele veja o espancamento do pai. Tarde de mais. A criança estava já em pânico, ao ponto de se ter urinado nos calções. Pasme-se: durante os longuíssimos e penosos segundos que durou a cena, nenhum dos vários agentes mexeu uma palha no sentido de evitar que prosseguisse a barbaridade do ataque às vítimas. Como se fosse normal o nível de violência que estava a ser aplicada.

Daí que seja de estranhar que o inquérito aberto tenha como objectivo apenas investigar o agente que se portou de forma bárbara e que o mesmo processo interno não tenha como objectivo apurar o comportamento do grupo de agentes e a violência geral com que agiram ou de que foram coniventes.

A PSP é uma força de segurança pública como o próprio nome indica e tem como função manter a ordem pública e a autoridade do Estado. Só que, em democracia, não se admite que estas sejam conseguidas através do uso de violência gratuita contra os cidadãos. É evidente que não se questiona que os agentes de segurança tenham de usar de força em casos extremos. Nem se defende que as forças de segurança andem desarmadas.

Mas há limites claros que estão estabelecidos sobre a proporcionalidade da violência empregue em cada situação. E se se admite que perante o excesso de violência que se gerou domingo à noite, em Lisboa, no Marquês de Pombal, a PSP tenha actuado de forma a travar a escalada de agressões, não pode em caso nenhum aceitar-se que agentes pratiquem ou sejam coniventes com exercícios gratuitos de violência. É por isso que o inquérito a este caso bárbaro tem de ser célere e ficar como um exemplo de referência no que toca à actuação da PSP.

Por fim, há duas perguntas que não podem deixar de ser feitas. Não era caso para ter havido já uma intervenção pública do director da PSP? E por que razão a ministra da Administração Interna ainda não se pronunciou sobre esta barbaridade e se escuda na espera pelo resultado das investigações?

Jornalista

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