Edifício em ruínas junto ao mar, com porteiro

As ruínas dos estaleiros de São Jacinto são a imagem da crise e decadência de toda a região, cuja única actividade parece ser hoje a apanha da amêijoa na ria. O saque reduziu o enorme edifício dos estaleiros a um escombro que faz lembrar uma zona de guerra.

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Domingos Teixeira trabalha e vive nos Estaleiros Navais de São Jacinto desde 4 de Janeiro de 1977. Regressou de Moçambique em Agosto do ano anterior e, quatro meses depois, era um dos mais de 800 operários da grande empresa fundada por Carlos Roeder. Um acidente de trabalho impediu-o de manobrar as máquinas que moldam o aço, e fizeram-no porteiro, profissão que manteve toda a vida.

Ainda hoje conserva a casa que lhe foi atribuída e a guarita de porteiro, logo à entrada do gigantesco edifício estrategicamente situado entre o mar e a ria. “Nunca daqui saí. Ia para onde?”, diz Domingos, 71 anos, metendo a chave na porta para guardar uma serra eléctrica. Lá dentro vêem-se alfaias de jardinagem, ferramentas, o atrelado de uma lancha. “Sempre tive o hobby da jardinagem, que agora, que estou reformado, exerço para fora, em várias casas de pessoas conhecidas. Guardo aqui tudo, a minha vida está centralizada aqui. Nunca ninguém me incomodou”.

O reconhecimento e devoção para com os Estaleiros constituem quase uma filosofia de vida para Domingos Teixeira. Foi aquela empresa, que ali começou a operar em 1940, que o recebeu no país, lhe deu trabalho, casa, assistência de saúde, instrução e formação aos três filhos. Até a filha ali fez um curso de soldadura e serralharia.

Não obstante ainda lhe dever 20 mil euros em salários, a empresa continua a merecer o respeito de Domingos, não nos actos de alguns dos seus agentes, mas na sua incólume reputação de entidade superior às contingências.

Domingos nunca se considerou aliás o porteiro de um edifício, de uma administração, de uma entidade patronal. Ele sempre foi o porteiro de uma ideia. De uma época feliz, de uma certa concepção de dignidade, de um sentimento de solidez e de futuro.

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Os Estaleiros Navais de São Jacinto encerraram em 2006. De lá, saíram o navio Caramulo e o Nereus, arrastões, atuneiros oceânicos e quebra-gelos

Os portões que guardava eram dessa realidade, da actividade enérgica que nunca parava, do espírito de sacrifício e de cooperação dos trabalhadores, do fundador, Carlos Roeder, e dos seus herdeiros na propriedade e gestão da empresa, João dos Santos, Jorge Pestana, Henrique Moutela, Vale Guimarães.

Abandonar o seu posto seria renegar e trair um mundo que guardou toda a vida. Como se separar-se da actividade frenética dos Estaleiros fosse pior do que morrer. E a verdade é que a actividade, essa, nunca parou. Apenas mudou em tipo, estilo, protagonistas e natureza.

Em São Jacinto, as praias têm uma escala diferente de todas as outras na costa portuguesa. São imensas e vazias, prolongadas por extensões de dunas, a perder de vista. Inseridas na Reserva Natural das Dunas de São Jacinto, constituem, com os pinhais e a Ria, um universo selvagem, bravo e enigmático.

Há trilhos, marcados por sinais feitos de troncos, pedaços de redes e conchas, que ligam a orla da Ria aos areais junto ao mar. Caminhos na floresta, de vinte minutos a pé, furados nos arbustos, nos troncos retorcidos e nas camadas densas e esfareladas de trufas, húmus costeiro, desfeito e queimado.

Não há fronteira definida entre as dunas e a praia. A imensidão branca parece levitar numa névoa quente de reverberações azuis, que mergulha na areia e a levanta.

O mar é aterrador. As ondas não correm na mesma direcção, não se alinham nem sucedem de maneira prenunciada. São anárquicas, cruzam-se e atropelam-se, rebentam umas em cima das outras.

O rugido do mar não vem da superfície, não brota do que se vê, mas da profundidade. Nasce de dentro da própria areia, fazendo tudo estremecer e estalar como um vulcão de vento e espuma.

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Chega-se aqui por uma estrada à beira da ria, numa estreita língua de terra, desde o Furadouro. Com Vila do Conde para trás, segui por estradas locais, por Mindelo, Vila Chã, Labruge, Lavra. As praias confluem com campos de cultivo. De súbito, no meio de uma falésia, junto a Labruge, avista-se a capela de S. Paio, num campo verde junto à água. E a praia de S. Paio, um lugar de beleza única. Depois do Porto, blocos de apartamentos, prédio e moradias, entre passadiços sobre a areia. Estrada Nacional 109, semáforos, filas de trânsito, oi mar sempre perto. A partir de Ovar, a estrada nacional 327. Furadouro à direita, a Ria à esquerda, até São Jacinto.

“Como o deserto, sem leis nem norma
Porque o vento caprichosamente mudava
Os acessos, onde anteriormente se passava
Apagando-os sem deixar rasto, nem forma”, escreveu Libério.

A televisão está ligada, no bar do parque de Campismo da Orbitur, em São Jacinto. O gerente do parque e os empregados olham, incrédulos, para as imagens das multidões nas praias, nos restaurantes e nas esplanadas, da reportagem da TVI sobre o aumento do turismo no Algarve. Em que país é aquilo? O número de turistas cresceu muito em relação ao ano passado, diz a reportagem. E cita estatísticas, entradas nas várias fronteiras, taxas de ocupação de hotéis e estâncias.

Olhando em redor, vêem-se duas autocaravanas e três ou quatro tendas. É verdade que o parque não tem restaurante, nem piscina. Mas fica num amplo pinhal, entre a ria e a praia, com um caminho directo para o mar, por entre a vegetação da Reserva Natural. Seria uma base ideal para turistas da Natureza, observadores de aves, amantes de praias selvagens, de pesca, de windsurf ou kite surf. Mas onde estão eles?

Toda a região, desde o Furadouro, a língua de terra que passa pela Torreira e a praia de Monte Branco, ao longo da Ria e do canal de Ovar, até às lagunas da Gafanha da Nazaré e de Ílhavo, é de uma beleza irrepreensível. É singular e variada, amena e aprazível. Mas quase não tem turismo.

Estatisticamente, aumentou o número de visitantes estrangeiros em Portugal. Mas os locais escolhidos são Lisboa, Porto, Algarve e pouco mais. O resto do país, incluindo zonas que já atraíram muito turismo, no passado, está agora quase vazio. O movimento reduz-se aos veraneantes portugueses e espanhóis de fim de semana e os emigrantes de férias.

“Há muitos turistas, mas são todos low cost, não quem gastar dinheiro”, diz João Gomes, gerente do parque de campismo de São Jacinto, que tem vindo a dispensar pessoal nos últimos anos, e fecha no Inverno, ao contrário do que era habitual. “Mesmo aqui no campismo, que é mais barato, tenho visto as pessoas a perguntarem os preços na recepção e irem embora, por acharem caro”.

A praia de São Jacinto, uma das mais deslumbrantes do país, está quase vazia. O bar das dunas, que tinha a concessão da praia, já não abre há dois anos. São obrigados a manter, durante a época balnear, uma certa estrutura, incluindo dois nadadores-salvadores, o que não é possível, com o actual reduzida quantidade de banhistas.

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Veraneantes são poucos e o bar de praia fechou há dois anos

“Há dois problemas: A Reserva natural, que é muito limitativa, e o ferry”, diz Raul Valentim, gerente do Ondas Bar, junto à praia de São Jacinto. “Não há estrada directa para vir da zona de Aveiro para aqui, não há uma ponte. E o ferry é caro (15 euros, ida e volta). E o último barco da noite é pouco depois das 10 horas, o que impede que alguém venha aqui jantar, com calma”.

João Nabais, gerente do restaurante O Terminal, não tem nenhuma esperança de que se venha a construir uma ponte sobre a Ria. “Viria de onde? Da Gafanha, da zona de Aveiro? As autoridades da Reserva nunca o autorizariam. A ponte é um sonho que nunca se vai realizar”.

O Terminal situa-se na nova zona marginal de São Jacinto, inaugurada o mês passado. É um projecto Polis Litoral, co-financiado pela União Europeia, integrado no “reordenamento e requalificação da Ria de Aveiro”, e que inclui nova pavimentação da zona ribeirinha, marina, etc.

“Espero que esta estrutura venha trazer mais gente a esta zona”, diz João Nabais sem muita convicção. “Em anos anteriores, havia muitos turistas franceses. Deixou de haver, e agora estão a voltar, mas ainda poucos. O movimento aqui é apenas aos fins-de-semana. No Inverno fica tudo parado. Sobrevivemos enquanto houver a boa vontade e compreensão de alguns fornecedores, que esperam pelo Verão para serem pagos”.

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Não havendo ponte, que romperia o isolamento da região, o ferry deveria ser mais barato, mais moderno e mais rápido. “Era preferível um barco mais pequeno, mas que fizesse a viagem mais vezes”.

São Jacinto é uma zona esquecida, diz o empresário. “Tirando a Torreira, conhecida como o Algarve do Norte, tudo o resto está morto. Esta região está muito mal trabalhada em termos de turismo. Todo o esforço de promoção se concentra na faixa entre a Costa Nova e a Figueira da Foz. Nós somos o parente pobre do turismo”.

Luís Figueiredo, empresário de eventos da zona de Coimbra, ficou admirado com a ausência de estruturas hoteleiras nesta região. “Não há um hotel, um complexo de apartamentos. Nada que atraia as pessoas. Como é possível vir para aqui? Ninguém conhece esta zona. Eu próprio, que sou de Coimbra, nunca aqui tinha vindo”.

Luis Figueiredo quis organizar um festival de Verão na zona de Aveiro. Contactou a Câmara Municipal, que lhe recomendou São Jacinto. E começou a trabalhar, mas não tem sido fácil. O Tugafest — o festival mais português de Portugal, vai realizar-se de 19 a 23 de Agosto, com dois palcos, Quim Barreiros, José Cid, Ana Moura, Herman José e os Xutos e Pontapés, na praia de São Jacinto. Mas só duas semanas antes a divulgação começou a ser feita.

“É um festival dirigido principalmente aos emigrantes, com artistas portugueses”, diz Figueiredo. “Queremos puxar ao português, ao contrário dos outros festivais de Verão. E apostamos em ter cá umas 50 mil pessoas, atendendo a que temos em cartaz os principais nomes portugueses”.

Mas admite que se tiver metade desse número de espectadores já será um êxito. As entradas no festival são pagas, e “as pessoas estão habituadas às festas organizadas e pagas pelas Câmaras, que são de graça. Quase nem consegui ter uma exposição de artesanato, porque os artesãos costumam ser subsidiados pelas Câmaras. Quando lhes disse que não vinham ganhar, recusaram o convite”.

Perto da data do Tugafest, aliás, há um concerto de Tony Carreira, de entrada gratuita. “É difícil ter alguma iniciativa e organizar alguma coisa, num mundo regional subsidiodependente”.

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A apanha da amêijoa é a úncia actividade. João, um reformado, conta que os intermediários que compram toda a amêijoa a vendem para Espanha. É um negócio ilegal, tal como a apanha da amêijoa, quando não se possui uma licença específica

Às 7 da manhã, com a maré baixa, a Ria já está cheia de gente. Na estrada da Torreira a São Jacinto ou a da outra margem, no Cais da Bestida, podem ver-se centenas de vultos mergulhados na água até à cintura, empunhando redes e ancinhos, na apanha da amêijoa.

Rui, a mulher e um filho têm a sua própria zona, não longe da ponte que faz a ligação à estrada de Estarreja. É uma área de bancos de areia e covas de lodo, que eles perscrutam com as mãos. “Nunca pensei voltar a isto. É uma vida duríssima. O meu filho ajuda-me só no Verão”, diz Rui, que trabalhava num restaurante que fechou. “Andamos aqui porque não há nenhum outro trabalho na região”.

Rui e a família apanham um máximo de 10 quilos de amêijoa num dia, que vendem a 3 euros o quilo a um intermediário. São uma das muitas famílias que vêm para a Ria todos os dias das 7 da manhã até ao meio-dia, quando a maré sobe.

“Eu só venho apanhar para mim, para uma caldeirada”, diz João, que está reformado e já andou nos navios do bacalhau. O seu método é o mais rudimentar: quando detecta uma quase imperceptível depressão na areia, enfia o dedo indicador e, se a sua intuição não falhou, desenterra uma amêijoa. Geralmente uma “japónica”, uma espécie com manchas na concha que surgiu nas Ria nos últimos anos. Com mais sorte, apanha uma “preta”, ou mesmo uma “rainha”, que têm mais valor comercial.

Conta que os intermediários que compram toda a amêijoa a vendem para Espanha. É um negócio ilegal, tal como a apanha da amêijoa, quando não se possui uma licença específica. Todos os apanhadores de amêijoa que se vêem na Ria são ilegais. Por vezes, a Guarda surge inesperadamente, na estrada da Bestida, e leva muitos deles presos. Mas a actividade compensa, mesmo com as multas, explica João, antes de se dirigir à pressa para a sua motorizada, estacionada na estrada à beira da Ria.

“Não quero conversas com eles”, diz, a fugir do grande grupo que se dirige para a margem. São ciganos, que “varrem”, em grupos de 10 ou 15 elementos, grandes extensões de Ria. Usam ancinhos, redes e outras ferramentas ilegais, e, segundo João, controlam as melhores zonas.

“Hoje foi um dia normal. Apanhámos uns 30 quilos”, diz Alexandre, um jovem cigano integrado num grupo de seis, descarregando a colheita do dia nuns cabazes encaixados na traseira de uma carrinha. “Toda a nossa família vive da amêijoa. Não se fica rico, mas é o que há para fazer”.

Rui, que traz da água o filho de 12 anos às cavalitas, assegura que não há na região outra fonte de rendimento além da apanha de bivalves na Ria. “Hoje em dia, posso dizer que toda a região, da Murteira a São Jacinto, vive da amêijoa”.

“Assim a pequena povoação de pescadores
Vivendo em Palheiros, e da pesca que fazia
Neste imenso lago salgado, que é a ria
Com as suas bateiras, suas artes e lavores”, escreveu Libério.

Ao longo da estrada, vêem-se restaurantes fechados. Uma colónia de férias que durante décadas albergou, no Verão, crianças de todo o país, e dava emprego a 50 pessoas da região, também encerrou, há dois anos. “Esta zona está morta. Aqui não há nada”, diz João, o gerente do parque de campismo.

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Os antigos estaleiros são hoje uma ruína, sorbetudo depois de terem sido saqueados pela própria população

Foi em 2006 que os Estaleiros Navais de São Jacinto, com os seus 70 mil metros quadrados, situados no braço da ria que forma o canal de São Jacinto até Ovar, com acesso directo à barra de Aveiro, fecharam definitivamente as portas. Carlos Roeder, um empresário formado em engenharia na Alemanha, criou a empresa em plena Segunda Guerra Mundial.

“Os Estaleiros Navais de São Jacinto merecem
A Admiração de todos nós e também da nação
Porque souberam dar, com trabalho e dedicação
Obras, que o tempo apaga, mas não se esquecem”, escreveu Libério.

Mas foi depois de 1945 que os estaleiros construíram, com inovadora tecnologia de soldadura eléctrica, o navio Caramulo e o Nereus, e depois muitos outros, desde arrastões, atuneiros oceânicos e quebra-gelos, até cacilheiros.

Durante o Estado Novo, os Estaleiros tiveram de lutar muitas vezes de forma desigual, pelo favorecimento oficial, devido à tendência oposicionista do seu fundador e proprietário, Carlos Roeder. Mas a empresa impôs-se pela habilidade de manobra dos seus administradores, e pela função social que desempenhou na região, através da Fundação criada por Roeder, que financiava a Saúde, refeitórios, habitação, e os estudos dos operários e seus filhos.

“Estava assegurado o acesso ao ensino, e muito mais
Começa o crescimento, que o isolamento impedia
Era o progresso chegando com toda a sua mais valia
Renovando a esperança de nova vida e novos ideais”, escreveu Libério.

No virar do milénio, a concorrência asiática e a má gestão terão levado à decadência e falência. “Como Roeder era solteiro e não deixou filhos, deixou em testamento a empresa aos seus melhores colaboradores, João dos Santos, Jorge Pestana, Henrique Moutela e Vale Guimarães”, conta Domingos Teixeira, o porteiro. “Enquanto eles foram vivos, as coisas correram bem. Com os filhos, tudo descambou. Quando precisavam de pneus novos para o carro, em vez de comprarem pneus, compravam um carro novo. Quando a filha de um deles foi estudar para Lisboa, ele não lhe alugou um quarto, comprou-lhe uma vivenda”.

A empresa faliu, numa confusão de dívidas, penhoras, falcatruas. Segundo Domingos, as Finanças, para recuperarem algum dinheiro, venderam tudo o que puderam, em leilões, ao desbarato. “O sucateiro Godinho é que fez os melhores negócios. Veio cá e comprou o que pôde. Comprou uma máquina de 120 mil contos por 120 contos. E mais 43 toneladas de aço para construção de navios por 40 contos”.

Depois desta fase começou o saque. Como o edifício tivesse ficado abandonado, os homens da terra vieram com carrinhas roubar o que puderam. “De início tinham cá um homem a tomar conta, mas como não lhe pagavam, ele não fazia nada”. Tal como não fazia ele, Domingos, o porteiro, que deixou roubar tudo o que foi deixado no complexo de edifícios, desde mobiliário a máquinas, materiais e documentos.

“Eram pessoas conhecidas, de cá da terra, que estavam desempregadas, precisavam de dinheiro para as famílias. Levaram tudo, mas não tocaram na minha casa”.

Tal como acontece com os abutres, o saque teve várias fases, consentâneas com as fases da própria crise da região. Depois dos bens mais ligeiros, começaram a chegar os camiões, para carregar aço, madeiras e pedra. “Levaram um cofre de 1500 quilos, que levantaram com uma grua para um camião”, recorda Domingos, que assistiu a tudo, à porta de casa.

Quando parecia já não haver nada para levar, vieram com equipamento de demolição derrubar paredes e telhados, para vasculhar todo o interior. E para recolher telhas e pedra. Há rombos nas paredes que parecem causados por bombas. Até que ficaram apenas as vigas de ferro da estrutura do edifício. “Vieram com maçaricos e máscaras, fundiram, partiram, depois prenderam as vigas a camiões e arrastaram-nas pela estrada”.

O estado de destruição e ruína em que se encontra hoje o edifício é tal, que, conta Domingos, equipas de cinema têm vindo rodar filmes de terror, e os militares da unidade de São Jacinto vêm fazer treinos com simulação de situações de guerra.

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Domingos, apesar de tudo, nunca saiu da sua casa. Dos estaleiros, já nada existe, além do porteiro, que é também a sua testemunha e o seu historiador. “Mas quem sabe tudo sobre os Estaleiros, porque estudou o assunto, é o senhor Libério, que já morreu, mas escreveu um livro”, recomenda Domingos.

A viúva de Libério Pereira, Maria José da Cunha, de 77 anos, vive numa vivenda ali perto, com os netos, ambos desempregados. “Faz hoje um ano que ele morreu”, diz ela. O marido foi torneiro-mecânico nos Estaleiros, arte que aprendeu lá. Tinha vindo da Figueira da Foz com o pai, que veio trabalhar com os militares da Marinha. Os pais de Maria José vinham de Aradas, e tinham uma tenda de pão, que fornecia também a base militar. O avô materno viera para a região para trabalhar na safra do caranguejo, que existia na ria antes de se descobrir a amêijoa.

A família trabalhou, progrediu e estudou graças aos Estaleiros de São Jacinto e à Fundação de Roeder. Em demonstração de gratidão, Libério e a mulher compuseram canções e escreveram peças de teatro, que representavam na escola local. E Libério escreveu um livro, todo em verso, sobre São Jacinto e os Estaleiros. Uma espécie de epopeia, que foi editada pela Junta de Freguesia e esgotou três edições.

“Termino saudoso esta narração da minha terra
Onde cresci, aprendi, amei e a quem tanto amo
E se aqui não nasci, foi por simples engano
Porque é nela que toda a minha vida se encerra”, concluiu Libério.

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