As escutas e o processo Face Oculta

Na edição de 17/2/2015, o PÚBLICO publicou um artigo de opinião de Madalena Homem Cardoso (M.H.C.) no qual o signatário é expressamente referenciado por via do processo Face Oculta.

Afirma M.H.C. que as escutas do Face Oculta mandadas destruir pelo signatário e relativas ao ex-primeiro-ministro foram eliminadas materialmente pelo antigo procurador-geral da República Pinto Monteiro de "forma bizarra, fazendo recortes nas páginas cio processo" (sic), quando a ordem fora dirigida ao Tribunal de Aveiro.

Subliminarmente, M.H.C. dá a entender que as escutas deviam ter sido validadas e publicitadas.

Espanta o desconhecimento de M.H.C. sobre vários itens que refere.

Ignora que aquelas escutas, mandadas destruir pelo signatário, não foram destruídas materialmente pelo anterior procurador-geral da República Pinto Monteiro, e muito menos foram recortadas; foram destruídas fisicamente, umas, pelo juiz de Instrução Criminal de Aveiro e, outras, pelo juiz de Círculo de Aveiro que presidiu ao colectivo que julgou o Face Oculta, factos, aliás, amplamente divulgados na imprensa, rádio e TV.

Ignora ainda M.H.C. que o tribunal que julgou o Face Oculta teve acesso directo a essas escutas que eliminou fisicamente, leu-as, ouviu-as e escreveu no acórdão final que elas não tinham interesse algum para a prova no julgamento (vejam-se págs. 43, 44 e principalmente 60 do acórdão).

Esses juízes não eram obrigados a fazer a apreciação que fizeram, porque isso era da competência do presidente do STJ; mas fizeram-na e, como diziam os antigos romanos na sua sabedoria, o que está a mais não prejudica. Já agora M.H.C. devia exorcizar os juízes de Aveiro.

M.H.C. mostra não ter grande consideração pelo signatário por causa da ordem de destruição das escutas.

Elas foram destruídas porque nada interessavam à instrução do Face Oculta e grande parte delas conexionava-se até com a vida privada dos escutados.

M.H.C., que se assume como activista cívica (!!!), deve saber, presumo, o que significa a intromissão crescente na vida privada e íntima dos cidadãos que as sociedades modernas potenciam; se ela própria for apanhada um dia em escutas cruzadas de um suspeito, seu amigo, e vir a sua privacidade posta à venda na praça pública, de certeza muda de opinião, porque isso acontece quando temos a casa a arder.

Pode, pois, M.H.C. ter do signatário a opinião que quiser, porque nunca será pior do que aquela com que o signatário ficou de si.

Quem escreve tem de conhecer aquilo sobre que escreve, sob pena de ficar manco na primeira curva e confirmar o aforismo antigo: "A ignorância é muito atrevida."

Antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça

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