As ameaças da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista ao PÚBLICO

Por que tirou da gaveta a Comissão da Carteira de Jornalista uma decisão absurda de 2008?

O PÚBLICO pediu esta quinta-feira à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista a formalização por escrito das posições tomadas numa reunião com este jornal ocorrida horas antes, na sede da Comissão e a pedido desta, sobre os estágios curriculares nos jornais, na qual o jornal foi ameaçado com multas que podem atingir muitos milhares de euros.

É posição da Comissão que os trabalhos dos estagiários não podem ser publicados no jornal. E que devem ser encarados como meros “exercícios”, ou seja, os estagiários não podem exercer as “funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação” pública. Tal como em nota publicada neste jornal a 23 de Abril, o PÚBLICO adoptou a política de co-assinar os textos dos seus estagiários com um jornalista detentor de carteira profissional, de modo a assumir a responsabilidade pelo trabalho por nós publicado perante todos, em particular os leitores.

O PÚBLICO entende que os estágios curriculares só são frutíferos se os estagiários trabalharem de facto, ou seja, se pesquisarem, cobrirem acontecimentos, entrevistarem pessoas. Ao longo de 25 anos, formámos com dedicação e orgulho centenas de estagiários. Em regra, os jovens começam por escrever pequenos textos, com o passar das semanas, e em função do seu talento, recebem tarefas progressivamente mais complexas. Alguns são hoje relevantes jornalistas. Um jovem à beira de se licenciar não se torna jornalista em três meses. Mas seguramente não aprende nada se, durante o estágio, se limitar a fazer “exercícios” que não visam a publicação. Faz sentido um estágio durante o qual o estagiário pesquisa, recolhe e selecciona informação que não é notícia? Como um alfaiate só aprende a fazer fatos se medir pessoas verdadeiras antes do corte, um futuro jornalista só aprende ao tentar — e por vezes ao não conseguir — escrever notícias que sejam de facto relevantes.

O PÚBLICO estranha a decisão de agora da Comissão, ao tirar da gaveta uma deliberação conservadora e corporativa por si aprovada em 2008 e que até hoje teve o bom senso de não aplicar. Conservadora e que não reflecte a realidade. Os estágios curriculares são, como o nome sugere, uma exigência das universidades e politécnicos. Valem 10, 12 ou mesmo 30 créditos num total de 180. Sem eles, os estudantes não podem terminar os cursos. A Comissão coloca assim esta profissão — um trabalho de serviço público intimamente ligado à liberdade de expressão e aos direitos mais básicos — num absurdo colete de forças. Tal como a ASAE quando exigiu que a Ginginha do Rossio construísse uma casa de banho e prendeu a proprietária por desobediência, a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista decidiu ser mais papista do que o Papa.

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