António Pinto da França, um especialista da vida

António foi um grande Embaixador, inigualável na seriedade que punha no exercício da sua funções, na lealdade ao dever de um diplomata.

Faz hoje 79 anos que nasceu António Pinto da França. Quando, há umas semanas, ocorreu o primeiro aniversário da sua morte, tentei redigir um texto a evocá-lo, que comecei pela habitual frase “Faz hoje um ano que António Pinto da França nos deixou”. Mas não consegui escrever mais, pois, ao acabar de a escrever, tive a noção de que, justamente, o António não nos deixou.

A relação que o António estabelecia com as pessoas com que se ia cruzando na vida era tão envolvente que, para aqueles que tiveram o privilégio de ser seus amigos, persistia e persiste para além da sua presença física.

António foi um grande Embaixador, inigualável na seriedade que punha no exercício da sua funções, na lealdade ao dever de um diplomata, na alegria confiante com que representava uma Pátria pela qual tinha genuíno amor e orgulho, que cresciam à medida que, curioso e deslumbrado, a foi encontrando pelo Mundo, nas suas deambulações profissionais e pessoais.

Tinha uma inteligência viva e aberta que lhe permitia conjugar a força das suas convicções com um verdadeiro esforço de compreensão da diferença, da novidade, do outro, e lhe conferia uma vasta capacidade de empatia com os seus interlocutores.

Tinha uma cultura verdadeira, enraizada, digerida, interpretada por ele e não absorvida de terceiros, que se estendia à História, às artes, à literatura, mas sobretudo às pessoas, ao convívio, à vida em directo e sem intermediários.

Tinha um sagaz sentido de observação que conseguia exercer sem nunca se distanciar. Não perdia um minuto das conversas, das paisagens, das coisas, mas nunca se colocava como observador exterior. Era simultaneamente, e com igual gozo, actor e observador.

Tinha um elevado sentido de humor com que nos encantava e divertia, sem nunca se deixar cair num sarcasmo fácil, e uma imaginação prodigiosa que atravessava espelhos, nos fazia cair em tocas atrás de coelhos e nos levava para aventuras inesperadas que só ele sabia onde desaguavam. Como também um enorme gosto por aventuras verídicas a que se entregava com entusiasmo.

Os seus livros retratam a frescura, que alguns podem confundir com ingenuidade, com que absorveu a vida dos países onde serviu, a satisfação com que foi desvendando as particularidades de cada um. Vivia com total e igual empenho as coisas mais prosaicas como as mais graves, que encarava com a mesma curiosa alegria.

Mas o que mais marcava António Pinto da França era, a meu ver, o seu humanismo, a afectividade que colocava em tudo o que fazia e com que se relacionava com os que o rodeavam. Em tudo colocava a sua enorme capacidade de afecto. Apetece-me dizer que tinha uma inteligência afectiva e uma afectividade inteligente. E era essa afectividade que dava uma intensidade particular a tudo aquilo em que se envolvia. A cativante boa disposição, a bonomia, a alegria, o sentido de humor, a abertura aos outros, a atenção ao novo faziam com que conversar com o António, passear com o António, ouvir o António a dissertar sobre as coisas que de que gostava, a explicar os recantos e as histórias da Quinta da Anunciada Velha, pela qual partilhava com a Sofia uma paixão, fosse uma festa, que todos antecipávamos com anseio quando sabíamos que o íamos encontrar e nos deixava reconciliados com a vida.

No fundo o António era um verdadeiro especialista da vida, um virtuoso da maneira de viver. Por isso não nos deixou e mantém com todos que com ele lidaram um raro envolvimento de amizade e magia.

Embaixador reformado

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