Agostinho Branquinho ganhou concurso para o programa de Relvas que está a ser investigado pelo MP

Actual secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social assegurou promoção do Foral ao vencer concurso marcado por excepções e surpresas. Caderno de encargos foi violado por Branquinho. Aguiar Branco esteve ligado à NTM durante anos.

Foto
Agostinho Branquinho em Julho deste ano, na tomada de posse como secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social Rui Gaudêncio

A campanha de comunicação do programa Foral, no valor de quase 450 mil euros, foi adjudicada em 2002 a uma empresa de publicidade detida exclusivamente por Agostinho Branquinho, antigo deputado do PSD e actual secretário de Estado da Segurança Social. José Pedro Aguiar-Branco, agora ministro da Defesa, tornou-se presidente da assembleia geral pouco depois da adjudicação.

O Foral, que tinha sido criado com fundos europeus para promover a formação profissional dos funcionários das autarquias, era gerido por Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso.

O grosso do negócio da formação financiado pelo Foral entre 2002 e 2004, tal como o PÚBLICO revelou no final do ano passado, foi parar às mãos da Tecnoforma, uma empresa que chegou a ter Passos Coelho como administrador e está a ser investigada pelo Ministério Público (DCIAP e DIAP de Coimbra) e pelo gabinete de luta antifraude da Comissão Europeia.

A adjudicação da campanha de divulgação do Foral foi feita na sequência de um concurso público internacional lançado por iniciativa de Miguel Relvas, de acordo com uma metodologia excepcional que nunca tinha sido usada até então e que nunca mais voltou a ser posta em prática.

Preço mais alto e fraca capacidade técnica
A concurso compareceram nove empresas de publicidade, parte das quais se encontravam entre as maiores do país. Seis foram imediatamente excluídas — sem as suas propostas serem sequer apreciadas —, sendo que quatro delas foram afastadas por falta de capacidade financeira, uma por falta de capacidade financeira e técnica e outra por falta de capacidade técnica.

Entre as cinco excluídas por insuficiência financeira encontrava-se a subsidiária de um gigante internacional que ocupava o terceiro lugar na lista das 30 maiores empresas de publicidade do mercado português, a McCann Erickson Portugal (52 milhões de euros facturados em 2001) e a Caixa Alta então em 16º lugar no mesmo ranking da Associação Portuguesa de Agências de Publicidade e Comunicação (13,6 milhões nesse ano).

Concluída a fase de selecção prévia das propostas, sobraram a NTM de Agostinho Branquinho, que não constava sequer daquele ranking e somou uma facturação de 3,7 milhões de euros em 2001, a WOP e a Spirituc. A NTM foi a que apresentou o preço mais elevado — 375 mil euros mais IVA, contra os 266 mil da WOP (a segunda classificada no final do concurso) e os 348 mil da Spirituc (a que ficou em último lugar). 

A NTM, por outro lado, era a que, na avaliação do júri, tinha a mais baixa capacidade técnica entre as três concorrentes admitidas, mas foi a que ficou à frente na análise da qualidade das propostas, sendo que este critério contava com 70% para a classificação final e o preço apenas com 30%.

Feita a análise das três propostas apenas com base em critérios subjectivos, o júri propôs a adjudicação do serviço à NTM por 447 mil euros (375 mil mais IVA) em Dezembro de 2002 — decisão essa que foi homologada por Relvas dias depois. Como sucede habitualmente neste género de concursos, nenhuma das empresas excluídas, nem as que foram classificadas em segundo e terceiro lugar, recorreram da decisão final.

Contactado pelo PÚBLICO no sentido de esclarecer as numerosas questões suscitadas pela adjudicação deste negócio à NTM, Agostinho Branquinho pediu que as perguntas lhe fossem dirigidas por escrito. As respostas, porém, ignoram a maior parte das perguntas. Em todo o caso, o actual secretário de Estado nega que a NTM fosse uma empresa de segunda linha no mercado da publicidade, garantindo que ela “estava no topo da liderança, em termos de facturação, das empresas do sector com capitais exclusivamente nacionais”.

O ranking das 30 maiores do sector mostra contudo que, além de ela não integrar esse pelotão, lá se encontravam muitas empresas de capitais exclusivamente nacionais. Era o caso, entre outros, da Caixa Alta, da Opal, do Grupo Barro e da Rasgo, todas elas com vendas, em 2001, duas a cinco vezes superiores às da NTM.

Agostinho Branquinho assegura também que o júri do concurso ganho pela NTM era composto por “várias personalidades, entre as quais os cinco presidentes das comissões de coordenação regionais” — actuais comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR). Na verdade, conforme o comprova o processo do concurso consultado pelo PÚBLICO, nenhum deles fazia parte do júri, cuja nomeação coube à secretaria de Estado de Miguel Relvas. Entre os seus sete membros figuravam dois representantes da secretaria de Estado e um elemento de cada cinco CCDR (Lisboa e Vale do Tejo, Centro, Norte, Alentejo e Algarve), todos eles chefes de divisão e directores de serviços.

Uma solução excepcional
De acordo com vários técnicos e ex-dirigentes das CCDR, entidades que executam no terreno os programas dos fundos europeus, os regulamentos comunitários contemplam normalmente verbas para a divulgação desses programas. A prática que vigorava até então era a de que as respectivas campanhas de comunicação fossem lançadas no âmbito das CCDR, promovendo cada uma delas o seu concurso, assumindo os custos da comparticipação nacional da campanha, e adjudicando o contrato correspondente.

No caso do Foral, Miguel Relvas entendeu lançar um único concurso e escolher uma única empresa para o publicitar a nível nacional — coisa que, independentemente de possíveis vantagens para a divulgação do programa, permitiria ao vencedor ficar com a totalidade do bolo, em vez de se sujeitar a cinco concursos com júris diferentes e ficar com menores probabilidades de facturar a totalidade do negócio. Para isso, Relvas recorreu a uma figura prevista na lei, mas nunca usada até então, a do agrupamento de CCDR, cuja constituição liderou e formalizou através da celebração de um protocolo entre as cinco comissões e a Secretaria de Estado da Administração Local.

Nos termos desse protocolo, assinado no Verão de 2002, a CCDR de Lisboa e Vale do Tejo assumiu a direcção do agrupamento e a secretaria de Estado responsabilizou-se, com recurso às verbas afectas ao gabinete de Relvas, pela contrapartida nacional do custo da campanha, no valor de 37,5% do total — cerca de 128 mil euros. O recurso ao orçamento da secretaria de Estado foi a solução, também ela excepcional, encontrada para que o concurso pudesse avançar de imediato, apesar das limitações orçamentais das CCDR.

O protocolo refere que “a montagem e operacionalização de uma campanha de comunicação que promova a imagem do programa Foral” adquiria um “interesse estratégico”, face à reduzida adesão que o programa motivara até então. O texto especifica que a aquisição dos  serviços da campanha “será precedida de um único concurso e será objecto de um único contrato”.

Na opinião de António Fonseca Ferreira, à época presidente da CCDR-LVT — que não acompanhou os trabalhos do júri do concurso ganho pela NTM, nem a elaboração do caderno de encargos e do programa de concurso —, a ideia do agrupamento não era má. “Do ponto de vista administrativo era um bom caminho porque evitava a realização de cinco concursos diferentes e facilitava a monitorização do contrato, mas era realmente uma solução excepcional”, refere aquele militante socialista. “Pelo que me lembro até houve um bom trabalho da empresa contratada”, acrescentou.

Já este mês, a presidência da CCDR-LVT comunicou ao PÚBLICO, por escrito, que aquela comissão nunca participou em qualquer agrupamento do género, com excepção do que foi constituído para o concurso do Foral.

O papel do gabinete de Relvas
Outros ex-responsáveis de algumas CCDR ouvidos pelo PÚBLICO garantem todavia que neste caso não foi só o recurso ao mecanismo do agrupamento que foi excepcional. Apesar de o concurso ser formalmente da responsabilidade das CCDR, quem assumiu o controlo de todo o processo, salientam, foi Miguel Relvas, através do seu chefe de gabinete Paulo Nunes Coelho e da sua adjunta Susana Viseu.

Já com o actual Governo, Paulo Nunes Coelho — que presidiu uma associação (Construir uma Alternativa) criada em 2008 para organizar a primeira candidatura de Passos Coelho à liderança do PSD — foi chefe de gabinete do secretário de Estado do Ordenamento do Território Pedro Afonso de Paulo, entre 2011 e Fevereiro deste ano, e em Julho foi nomeado adjunto de Marco António Costa, dias antes deste deixar o Governo para se tornar coordenador nacional do PSD e ser substituído por Branquinho.

Susana Viseu é desde 2007 administradora do grupo Fomentinvest, liderado por Ângelo Correia, do qual Passos Coelho também foi administrador, desde o tempo em que trabalhava na Tecnoforma até ir para o Governo.
 
De acordo com várias fontes, tanto o caderno de encargos como o programa do concurso foram elaborados no gabinete do secretário de Estado, sendo que aí não havia qualquer técnico com experiência na área da publicidade e da comunicação.

Fonseca Ferreira confirma que este tipo de documentos exige algum know how no ramo, acrescentando que ele poderá ter sido fornecido através de algum tipo de assessoria técnica. “Mas se isso aconteceu foi através do gabinete do secretário de Estado ou do Núcleo de Coordenação Estratégica do Foral”, uma estrutura que dependia do gabinete de Relvas e era dirigida pelo gestor Rui Azevedo. Este especialista na área da formação assegura, todavia, que o núcleo de coordenação “não teve qualquer intervenção” na preparação do concurso. “O processo foi conduzido ao nível do gabinete do secretário de Estado”, afirma.

Algumas fontes que pedem para não ser identificadas não hesitam, todavia, em afirmar que a NTM acompanhou a preparação do concurso e dispôs de informação que lhe terá permitido, nomeadamente, antecipar a preparação da sua candidatura.

Questionado expressamente sobre a qualidade em que colaborou com o gabinete de Relvas na preparação do caderno de encargos e do programa de concurso, que entre outras coisas estabeleceram os critérios de adjudicação do contrato, Agostinho Branquinho nada respondeu.

Certo é que o nível de elaboração e detalhe, bem como a qualidade dos materiais usados na proposta de Agostinho Branquinho, a primeira a ser entregue, ultrapassava claramente todas as outras oito, embora a capacidade técnica da NTM ficasse muito aquém da maior parte destas — como o júri reconheceu.

Couto dos Santos, principal cliente
Entre os nove concorrentes, a NTM ficou na sétima posição quanto à capacidade técnica, tendo atrás dela apenas dois outros concorrentes que foram excluídos por não satisfazerem as exigências mínimas nesse domínio.

Para avaliação deste requisito, entre outras coisas, os concorrentes tiveram de fornecer informações sobre os principais serviços por eles fornecidos nos últimos três anos e sobre a constituição das equipas destacadas para executar a campanha do Foral. No que concerne à NTM constata-se que naqueles três anos as vendas aos seus principais clientes somaram cerca de 5,2 milhões de euros.

Deste total, 63% (3,3 milhões de euros) correspondem a serviços prestados à Associação Empresarial de Portugal (antiga Associação Industrial Portuense) e às suas subsidiárias Exponor e Europarque. Nessa época a AEP era gerida por Couto dos Santos, o actual deputado do PSD e presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República de quem Agostinho Branquinho foi adjunto entre 1986 e 1988, depois de deixar o Parlamento, quando Couto dos Santos era secretário de Estado e ministro da Juventude de Cavaco Silva.

Entre os principais clientes da NTM no triénio anterior ao concurso do Foral destacavam-se ainda as câmaras de Vila Nova de Gaia e de Valongo. A primeira era presidida por Luis Filipe Menezes e a segunda tinha como vice-presidente Marco António Costa, o homem que Branquinho substituiu em Julho como secretário de Estado da Segurança Social.

Quanto à equipa da NTM, a coordenação era assegurada pelo próprio Branquinho e, logo abaixo, por Ana Santana Lopes, irmã de Pedro Santana Lopes, então vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD e presidente da Câmara de Lisboa.

Mas foi a qualidade técnica da própria proposta que, segundo as actas do júri, acabou por dar a vitória à NTM, com uma classificação final, incluindo o factor preço, de 4,56, contra os 4,20 da WOP, uma empresa que tinha à frente Washington Olivetto, um dos mais importantes publicitários brasileiros, e os 3,37 da Spirituc.

Violação do caderno de encargos
De acordo com os elementos recolhidos pelo PÚBLICO, a avaliação técnica das três propostas não contou com a intervenção de qualquer perito externo, sendo certo que nenhum dos sete membros do júri tinha experiência no campo da publicidade e da comunicação. Embora algumas das CCDR tivessem técnicos dessa área nos seus quadros, nenhum deles integrou o júri ou foi chamado a emitir opinião.

Pouco depois de obtido o visto do Tribunal de Contas, o contrato entre as CCDR e a NTM foi assinado no final de Março de 2002. E a 22 de Maio a campanha de comunicação do Foral, desenhada para se desenvolver ao longo de nove meses, foi oficialmente apresentada numa sessão pública realizada em Faro. Intervenientes: Agostinho Branquinho, como director-geral da NTM e Miguel Relvas, como secretário de Estado da Administração Local.

Passado menos de um mês, Agostinho Branquinho, que era o coordenador da campanha, anunciou a venda da NTM a terceiros não identificados. A operação foi feita através do escritório de José Pedro Aguiar-Branco — o actual ministro da Defesa que presidia à Assembleia Geral da empresa — e logo a seguir, a 26 de Junho, Branquinho renunciou à presidência do conselho de administração.

Das parcas explicações dadas ao PÚBLICO pelo então empresário, destaca-se a afirmação de que deixou de ter qualquer actividade na NTM nessa altura, após o início da campanha do Foral — situação que, a ser exacta, corresponde a uma violação do caderno de encargos do concurso. Com efeito, este exigia a manutenção de Branquinho como coordenador da equipa até ao fim do contrato de nove meses.

“O concorrente obriga-se a manter durante toda a execução do trabalho a equipa técnica apresentada ao concurso, incluindo o coordenador”, lê-se no documento.

“A minha participação em relação à proposta do Programa Foral limitou-se, apenas e tão só, a coordenar a equipa multidisciplinar da NTM que definiu a estratégia e as acções de comunicação a desenvolver, a assinar, na qualidade de então presidente do conselho de administração da empresa, os respectivos contratos públicos, e a intervir numa sessão pública de apresentação do referido programa, uma vez que abandonei toda e qualquer actividade naquela empresa no início do segundo semestre de 2003”, afirma Branquinho.

Várias fontes referem, porém, que o empresário continuou a ter uma forte ligação à sociedade, a qual era dirigida por um amigo e pela então mulher quando cessou a actividade, já afundada em dívidas, há cerca de três anos — altura em que Branquinho e a mulher foram viver para o Brasil.

Susana Viseu, a antiga adjunta de Miguel Relvas que era uma das responsáveis pelo Foral na secretaria de Estado e que fez parte do júri do concurso, confirma também que Branquinho participou em várias reuniões na secretaria de Estado após o início da campanha. “Nem sabia que ele tinha vendido a empresa”, afirma.

O agora secretário de Estado não diz a quem é que vendeu as acções da NTM após ganhar o concurso do Foral, nem explica a nomeação do seu amigo Joaquim Teixeira para a presidência da empresa, cinco anos depois. Aguiar-Branco também não.
 

Sugerir correcção
Comentar