A taxa municipal turística de Lisboa – a outra face da moeda

Não me peçam, por favor, para pagar uma taxa de turista no meu país.

Recebo com agrado a notícia de que o Município de Lisboa está empenhado na criação de um fundo de promoção turística. No entanto, e desconsiderando a validade jurídica da medida ou a sua conformidade constitucional, tenho dificuldade em aceitar: (i) que seja o Município de Lisboa a cobrar a taxa; (ii) e que as excepções ao seu pagamento apenas sejam extensivas aos residentes em Portugal.

Quanto à primeira dificuldade, parece-me que a taxa em causa, descurando a respectiva aceitabilidade, deveria ser cobrada pelo Estado e não pelo município onde o aeroporto se encontra localizado. Na verdade, utilizar o Aeroporto de Lisboa não significa necessariamente visitar Lisboa. Por outro lado, visitar Lisboa não significa necessariamente entrar no país pelo aeroporto de Lisboa. Ademais, ouso questionar: se o aeroporto mudar de localização, transitando para outro município, passará a ser esse município a cobrar a taxa? Não consigo descortinar a racionalidade por detrás da medida, porquanto a mesma apenas beneficia Lisboa, não permitindo que outras cidades igualmente turísticas, e eventuais destinatárias do fluxo de turistas, possam retirar o mesmo benefício directo. Convém não esquecer que o turismo de Lisboa já ganha com a própria localização do aeroporto, não me parecendo razoável ou aceitável que Lisboa se arrogue no direito de ser o município responsável pela cobrança de uma taxa de entrada de turistas no país – que é, no fundo, o que está em causa, independentemente da roupagem ou do nomen juris que se lhe atribua.

Atendendo à segunda dificuldade, parece-me que excepcionar do pagamento da taxa apenas os residentes em Portugal significa considerar turista qualquer nacional português que visite Portugal, sempre que não possua aí a sua residência. Falo em causa própria: não tendo residência em Portugal, ver-me-ei condenado a pagar uma taxa turística sempre que visitar o meu país. As repercussões desta medida no sentimento de nacionalidade são profundas: pagarei no meu país a mesma taxa que pago para entrar noutros países com os quais não tenho a mínima ligação afectiva ou territorial. Entrarei no meu país e pagarei uma taxa na qualidade de turista do berço da minha nacionalidade, da qual me orgulho e que sempre procuro promover. A adopção desta medida leva-me a concluir que apenas quem vive ou viveu fora de Portugal consegue perceber a devassa que a mesma representa no sentimento de nacionalidade e no quão devastador poderá mostrar-se a longo prazo. As ameaças ao sentimento identitário nacional são inaceitáveis e fragilizam qualquer estratégia de longo prazo que se tenha para a promoção e o desenvolvimento nacional.

Por tudo, lanço um apelo: não me peçam, por favor, para pagar uma taxa de turista no meu país.

Assessor Jurídico no Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM)

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