A nova vida de Santana Lopes

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A maior parte dos portugueses estaria a dormir quando Pedro Santana Lopes fez o que foi descrito como “o mais relevante” discurso do congresso do PSD. Exagero ou não, foi diferente. Santana já não é apenas “mais um” político. É provedor da Santa Casa da Misericórdia e — graças a Deus e graças a Pedro Passos Coelho, para citar o próprio — acabou por ser o único a falar do “país real”. E foi assim: “Ser primeiro-ministro é muito complicado. Ser presidente de câmara também, presidente de junta também. Mas confesso-vos — eu que já desempenhei as funções públicas que desempenhei — que não fazia ideia do que é ser provedor de uma misericórdia, ainda por cima em tempo de crise. O telefone toca de manhã à noite, por razões que nós tendemos a esquecer, até para nos defendermos, para não sofrermos. Imaginam quantas pessoas me falam preocupadas com o sítio onde podem instalar os seus pais já velhinhos, porque os hospitais, caro Pedro Passos Coelho, não podem ficar com as pessoas de idade quando elas já não têm esperança de vida e porque os hospitais, porque têm também de poupar, não querem que elas lá fiquem quando já não há esperança de tratamento?”

Vale a pena ouvir o discurso. Santana colocou-o no Facebook. E valeria a pena, fica-se a pensar, que, se Santana Lopes precisou de chegar aos 57 anos para descobrir o mundo, que a solução para o problema da política portuguesa está encontrada. Basta virar o sistema de pernas para o ar. Tal como se definem objectivos para a aprendizagem das crianças (primeiro aprendem as letras, depois a desenhá-las, a seguir a juntá-las e, passado uns anos, é garantido que escrevem e lêem com saber), os políticos têm de começar a sua carreira — e não acabar — como provedores de uma misericórdia.
O modelo tem fragilidades. Ou haveria menos políticos ou multiplicávamos as misericórdias. Mas evitaríamos que Santana descobrisse tão tarde que “só quando nos sentamos lá, numa daquelas cadeiras [de um lar de terceira idade], cheios de saudades da família, à espera do dia, pensamos: o tempo que eu perdi, as responsabilidades que eu tive e o que eu deixei de fazer por tanta gente que precisava que eu tivesse feito alguma coisa”. 

A vida, concluiu Santana, “dá muitas voltas”. É verdade. Sendo inteligente e um competente orador de massas, Santana antecipou a hipótese do cinismo. “E vão dizer: este agora por ser provedor acha que tem mais sensibilidade que os outros? Não! Tenho obrigação de dar testemunho do que vou vendo no dia-a-dia. É esta a realidade do país concreto, que ainda sofre, e sofre muito.” 

Fica portanto a proposta: antes de se ser presidente de uma junta, de câmara, deputado na Assembleia da República, secretário de Estado, ministro, primeiro-ministro e Presidente, os políticos têm de começar pela Misericórdia. 

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Pedro Santana Lopes a discursar durante o congresso do PSD de 23 de Fevereiro Miguel Manso

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