A lição de grego

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Senhor de uma personalidade televisiva forte, António Costa vai agora fazer tudo para a enfraquecer... O ex-actual-presidente da Câmara de Lisboa, candidato a primeiro-ministro, conseguiu em poucos dias mediatizar-se em dois berbicachos vermelhos — o Benfica e a China. Serão as “linhas vermelhas” que um político não pode atravessar?

De um lado, a ideia de perdoar milhões de euros das taxas que o Benfica deve por acrescentos nas obras do Estádio da Luz. Do outro, a linda amizade mandarina dita no Casino da Póvoa, já impressa no códex “Tiro nos Pés”: “Como nós dizemos em Portugal, os amigos são para as ocasiões. E numa ocasião difícil para o país em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os chineses, os investidores chineses, disseram ‘presente’, vieram e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos atrás.”

Os chineses disseram “presente”, o Governo agradeceu o presente. Maria Luís Schäuble Albuquerque, a alemã pequenina, ficou menos canina. Os portugueses viram na televisão. Sim, ele disse isto. Sim, disse “diferente”, não disse “melhor”. Sim, mas diferente quer dizer melhor. Já que António Costa queria beneficiar o Benfica nos impostos, talvez devesse virar-se agora para o FC Porto: como é que um tipo faz para anular gravações muito comprometedoras? Se Pinto da Costa se safou do Apito Dourado, poderá outro Costa livrar-se da operação Patinho Dourado (“à Pequim”)?

Mas esta conversa não interessa nada, estamos aqui para falar do Homem. Um grego nascido em Atenas a 24 de Março de 1961 e apresentado ao mundo no final de 2014. Está uma fotografia no cimo da página. Camisa de fora, gravata esquecida numa gaveta do passado. Esta figura entraria com força no Frágil do Bairro Alto dos anos 1980 e, nessa mesma noite, algures no vasto Universo, podia perder-se Vulcano mas Varoufakis conduziria a nave estelar Enterprise por uma chuva de cometas no hiperespaço, tudo isto antes de ir — de directa — dar aulas e assinar despachos financeiros, na boa. E mais tarde, em 2015, talvez rebentasse com a nave e todos morressem na guerra contra os Klingon e os Troika (um povo incompetente que gosta de dar poderes a rudes subalternos que mandam em “protectorados”, como o Portugal de Paulo Portas). Mas ao menos o caloiro Varoufakis tinha tentado uma coisa nova, salvar a desgraça humana e económica da Grécia. Trezentas mil pessoas sem electricidade, sem gás, um milhão sem saúde, mas o que importa é “cumprir os compromissos” que dão resultados ridículos. Mesmo que, pelo meio, a troika tenha “pecado contra a dignidade” dos povos, como disse Juncker, presidente da Comissão Europeia e perigoso extremista de esquerda. Mas dar ajuda de emergência às pessoas em troca de combate à corrupção, à histórica fuga aos impostos dos gregos mais ricos, afinal, não é nada. É uma grande derrota, era “um conto de crianças”, como diz o outro.

Na verdade, desconfia-se que muitos gostavam de ser como Varoufakis. Todas as coisas têm uma explicação e é quase sempre a mesma. Ele é insolente e bem-educado no ponto certo. E mais de metade do eleitorado europeu ser feminino é outra das suas grandes qualidades políticas... Até o professor Marcelo, roído de charme alheio, lhe chamou “esse artista da bola”. Custa encontrar uma inteligência de outro nível noutra maneira de pensar e agir, não é, Marcelo da Judite? Varoufakis veste couro preto mas é economista com trabalho académico reconhecido, um especialista mundial em teoria dos jogos e que se meteu, aos 54 anos, em negociações talvez impossíveis. Deves estar a brincar connosco, especialistas em jogos do PSD-CDS e em agradar a alemães e a germânicos. Querias pagar a dívida em novas fases, indexada ao crescimento? É de malucos. Não são assim as regras.

Varoufakis é o homem que diz (entrevista no regresso de Charlie Hebdo) que a Europa pode atirar os povos para novos fascismos e totalitarismos. E vai mais atrás: “A Europa receita austeridade como os médicos de antigamente receitavam sangrias.” Isto é, mata com a cura. “Marxista errático”, tem nas próximas semanas que enfrentar os que, na Grécia, marxistas impenitentes do Syriza, o vão acusar de capitular perante o poder do dinheiro, no acordo que assinou. De ter traído o povo. Não se sabe como vai acabar o Governo de Alexis Tsipras e Varoufakis. Em Outubro passado morreu em Hamburgo um ilustre escritor alemão: Siegfried Lenz. O seu romance mais famoso é Lição de Alemão. Um jovem é obrigado a escrever sobre “As alegrias do dever cumprido”. Conta a história do seu pai, polícia na II Guerra, que todos os dias tem de impedir um pintor, seu amigo de infância, de pintar seja o que for. Arte degenerada, para os nazis. O velho polícia alemão vive satisfeito nesta estúpida missão. Lenz queria descobrir “onde as alegrias do dever cumprido podem levar um povo”. Schäuble e Passos Coelho cumprem um dever ao destruírem o espírito da Europa. Mas dão-nos uma lição.

Ah, e quanto a António Costa, deve haver aulas de chinês para casino.

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