40 anos, tanto tempo e tão pouco

No décimo aniversário foi fácil. Era uma década, tinha sido “ontem”, o impulso de celebrar era notório. Nos 20 anos, o impulso envelheceu um pouco mas fizeram-se comemorações a contento, salpicados a cravos e a evocações da liberdade. Nos 25 mais fácil foi, coincidia até no número, os 25 do 25, e a coisa lá se fez com entusiasmo. Pois daí aos 40, que este mês se celebram, foi um curto passo. E parece incompleto, espécie de caminho para o meio século. De novo, a estranha sensação de visitar uma casa antiga, esquecida pelos antigos moradores e pelo tempo, murmúrios de exaltações passadas que hoje não passam de fotografias ou filmes já catalogados em museus. O que há a contar, que não se tenha contado ainda? Que lições há a tirar, que não tenham sido tiradas já? Olhamos de relance as imagens, paradas ou em movimento, e há qualquer coisa nelas que não se exprime de nenhum modo exterior à sua própria exibição, são elas próprias a história, e é preciso revê-las uma e outra vez para as entender, incorporando assim, ainda que de forma fragmentária, o que neste país se passou.

Precioso o trabalho dos arquivos, e neste campo a Cinemateca Portuguesa preparou para este mês um trabalho de fôlego com a exibição de numerosos documentários sob o mote 25 de Abril, Sempre, O Movimento das Coisas, cuja importância nunca é por demais realçar. A lista dos filmes é surpreendente e mais surpreendente será, para quem deles poucos viu, acercar-se agora da realidade de há quatro décadas com a distância que o olhar permite. Nesta matéria, e passada a polémica inicial sobre as comemorações, também a Assembleia da República acabou por apresentar um programa sóbrio mas digno, que inclui música, cinema, teatro, uma conferência e uma exposição organizada por José Pacheco Pereira cujo título parafraseia Griffith: O Nascimento de Uma Democracia. Ora de Pacheco Pereira, dos seus arquivos, são também os relatórios da censura que integram a edição em fac-símile de uma série de Livros Proibidos que o PÚBLICO começou esta semana a distribuir. Dez anos depois da exposição Livros Proibidos pelo Estado Novo, que esteve no Parlamento em 2004 — e deu, aliás, um belo catálogo —, chegam-nos os exemplares tal como foram à época calados pela censura.

Se havia histórias novas a contar? Havia, e isso provaram-no Alfredo Cunha e Adelino Gomes com o recente Os Rapazes dos Tanques, extraordinário livro onde, para lá de ser um testemunho de quem viveu o dia 25 de Abril de 1974 a par da sua evolução, fica também registada a história inédita dos soldados que chegaram ao Terreiro do Paço para defender o regime e que, por não terem disparado, evitaram o que teria sido um banho de sangue. Mas falando ainda do Terreiro do Paço, acaba de ser reeditada uma outra obra importante para o conhecimento pormenorizado do golpe militar de 74: O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, de Avelino Rodrigues, Cesário Borga e Mário Cardoso. O lançamento está marcado para dia 23, às 18h30, na Associação 25 de Abril em Lisboa. Os autores estarão lá.

Por último, nas músicas, além dos vários concertos comemorativos e da apresentação de Sérgio Godinho no São Luiz na semana que findou (Liberdade, com Gisela João, Jorge Benvinda e Maria João Luís), assinalem-se as reedições de dois discos imbuídos do espírito da “época”. O primeiro é Grândolas, que juntou o génio dos pianos de Mário Laginha e Bernardo Sassetti na recriação de vários temas de José Afonso, a par de outros como E depois do adeus (a primeira senha para os militares), A Internacional ou We shall overcome. E o segundo é a releitura brasileira que os Couple Coffee fizeram de temas de José Afonso em Com as tamanquinhas do Zeca, agora acrescentado de duas novas faixas onde a filha de Alípio de Freitas, Luanda Cozetti, canta a canção com o nome do pai; e onde o próprio Alípio de Freitas canta, não sendo cantor, o apelo intemporal de Traz outro amigo também. Ouvi-los, depois de rever as imagens em movimento da época e as fotografias que melhor lhe fixaram o espírito, ajuda a entender de forma mais intensa o que, dessa era, ficou para a história. 

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