25 de Abril: falta consolidar a Democracia

Falta concretizar a construção de uma sociedade com mais justiça social em que a politica volte a estar ao serviço do bem-estar dos cidadãos e não submetida ao poder económico da geofinança.

1. O 25 de Abril geneticamente é um golpe de Estado feito por militares em que a interacção entre o Movimento das Forças Armadas (MFA) e o povo faz a revolução. Ou seja, o 25 de Abril foi único na história universal a que todos os portugueses ficaram reconhecidos, excepto uma geração de políticos que nunca conseguiu disfarçar o seu desencanto.

Do Programa dos três “D” Democratizar, Descolonizar e Desenvolver Portugal corre o risco de não conseguir consolidar a democracia e hipotecar o desenvolvimento com a austeridade perpétua, depois da destruição criativa a que foi submetido, e será garantida pelo Tratado Orçamental (TO) aprovado por um parlamento de olhos fechados e que a União Europeia (UE) não vai alterar.

O País tem que arranjar novas alianças e estratégias para negociar com a UE opções políticas credíveis que minimizem os efeitos colaterais do ajustamento e permitam a transição faseada na aplicação do TO.

A construção europeia só pode ter futuro se as decisões europeias forem aceites como legítimas “sem ofender a dignidade dos povos” resolvendo os efeitos assimétricos da moeda única. Já não há espaço para os eurocratas engravatados distantes da realidade das pessoas.

A propaganda desmesurada da coligação é feita pelo discurso criativo da liturgia do sucesso com dramatização e dissimulação, manipulando a opinião pública para tentar “usurpar” os votos, como aconteceu quando o primeiro-ministro (PM) mentiu aos portugueses nunca pediu desculpa. Não são as “eleições que se lixem” mas o “mexilhão.

Contudo, os eleitores não esquecem as políticas esquizofrénicas que aumentaram brutalmente o desemprego e reduziram drasticamente os rendimentos continuando a aumentar a divida. E havia formas socialmente menos destrutivas de fazer o ajustamento. Em democracia as sondagens não garantem votos.

A punição da austeridade inesquecível foi um “sacrifício de mais para tão pouco resultado” (Dr. Silva Peneda). Bruxelas impôs uma “vigilância reforçada” que entra em colisão com a tese fantasiosa e falaciosa do Governo sobre a recuperação económica e social do país. “Portugal continua numa situação crítica e difícil”. Ilusão do sucesso.

2. A liberdade e democracia são os pilares fundamentais da construção de qualquer Estado de Direito, que infelizmente ao fim de 40 anos está a ser “atropelado” por gente que se senta na casa da Democracia em benefício dos interesses da partidocracia. A promiscuidade e corrupção arruínam o país.

Todavia, os militares tiveram a grande generosidade em devolver a soberania ao povo entregando o poder aos partidos políticos. Por outro lado, os partidos políticos souberam encontrar entendimentos em nome dos interesses nacionais, contrariamente aos últimos anos de grande crispação política e gente sem atitude patriótica em que prevalecem os interesses da partidocracia e da plutocracia.

Os “D” de Abril  só não se perderão se conseguirmos assumir compromissos (patrióticos) que assegurem o “E” de uma Estratégia Nacional permitindo fazer as reformas estruturais que o Governo prometeu e não fez e preservar o Estado social sem sofismas; o seu desmantelamento provocará reacções imprevisíveis.

Um novo consenso estratégico podia ter um apoio maioritário na sociedade portuguesa incluindo a concertação social. Mas para isso terá que haver mudança de Governo. Portugal tem que passar para um novo paradigma de desenvolvimento com alterações na estrutura produtiva, sem esquecer que grande parte da inovação e competitividade crucial na atracção de investimento é fruto da tradução do pensamento científico dado pelas universidades e da sua ligação às empresas.

Aquele consenso implica também que o país se assuma como verdadeiro parceiro numa democracia da UE que funcione para fazer face aos desafios do projecto europeu potenciando a revalorização estratégica de Portugal e todos os factores de desenvolvimento assentes na sustentabilidade económica e financeira.

A redução do défice deve ser feita com mais eficiência e políticas europeias mais sensíveis ao desemprego e ao ritmo da redução do défice e dívida de forma que não seja um espartilho ao crescimento económico.

Inquietamente, o Governo não tem projecto, para além da sua própria sobrevivência, nem prossegue qualquer intuito reformador, ao contrário das promessas. E como até à data não tem havido um pensamento político estratégico, o Programa do Governo (PEC) corresponde aos três “E”: Empobrecer a maioria “custe o que custar”; Enriquecer a minoria que são os novos Donos Disto Tudo, controlam os grupos económicos e capturaram o Estado; e Esbulhar os contribuintes com um “enorme aumento de impostos” porque “aguentam” o que dizem os banqueiros.

3. O risco grave vem da fractura e bloqueio do sistema político que se traduz na falta de espaço para a afirmação dos interesses dos portugueses como o entendimento do interesse nacional, existindo uma política meramente proclamativa. Pode haver divergências inultrapassáveis, mas o essencial nunca se pode transformar em negação do diálogo. A alternativa não pode ser a incerteza, o vazio ou o caos institucional.

A actual situação é vivida com muita apreensão e angústia. Porque passámos a ter uma crise institucional que ninguém assume, reforçada pela mentira institucionalizada no país. Não há verdade. A palavra está mais desvalorizada que as acções do BES, cuja derrocada foi o culminar da elite empresarial sem dignidade com enormes custos reputacionais.

Reconquistámos a liberdade e democracia. E a liberdade é o que define o ser humano. Houve progresso material e o desenvolvimento social foi inegável, onde se destaca o Serviço Nacional de Saúde que está em risco de desagregação. Porém, falta mudar muita coisa na sociedade que em alguns aspectos parece ter regredido décadas, nomeadamente, ao nível económico.

Sobretudo, falta concretizar a construção de uma sociedade com mais justiça social em que a politica volte a estar ao serviço do bem-estar dos cidadãos e não submetida ao poder económico da geofinança.

Só há liberdade a sério quando houver “liberdade de mudar e decidir”. Os cidadãos sentem que deixaram de escolher quem os represente e muito menos decidir, porque votam programas que são ilusórios e dificilmente têm tradução em políticas públicas.

Portugal conquistou a liberdade, mas ainda não construiu uma democracia assente em valores. “Há a liberdade de falar e a liberdade de viver, mas esta só existe, quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social” (Miguel Torga).

Conforme o INE criticado pelo PM conforme os dados  o nível de pobreza e exclusão social voltou ao nível de há 10 anos. Atingiu-se a taxa de 19,5% como em 2003. E, uma em cada 5 pessoas é pobre. Dois milhões de portugueses; um terço das crianças portuguesas passa sérias privações na sua vida, pode ler-se num relatório da UNICEF em que Portugal ocupa a 25.ª posição em 29 países.

Os valores do 25 de Abril têm que ser praticados com maior consciência cívica para que haja maior e melhor escrutínio no “tribunal do voto”. Falta mudar muita coisa. A começar pelas mentalidades pérfidas e a indispensabilidade de políticos com sentido de Estado e escolhas lúcidas de uma cidadania participativa.

A confiança essencial para um regime democrático tem vindo a ser destruída! Confiança nas instituições e na classe politica (apenas 9% dos portugueses) que tem de ser regenerada. Só a capacidade geradora da mudança credível é que garante a confiança.

A impunidade descredibiliza a democracia e afasta os cidadãos. Cerca de 83% dos portugueses manifestam-se insatisfeitos com o estado da democracia.

A revolução de 25 de Abril está por concluir. Falta a revolução da cidadania e mentalidades que obrigue à alteração do sistema político evitando a sua implosão. A revolução de Abril apenas conseguiu alterar parte do regime. E como foi pacífica não provocou rupturas. Sem rupturas nunca haverá as mudanças e transformações que a sociedade reclama.

Os órgãos de soberania e agentes políticos devem tomar consciência que a pobreza e o desemprego provocam enormes fracturas na sociedade. As políticas que levam ao empobrecimento nunca resultaram. Democracia e pobreza são incompatíveis! Isto é, mudam de políticas ou o regime será mudado.

O 25 de Abril é um caminho salpicado de sonhos e projectos em que a maior parte foi cumprido. Saibamos honrar o espírito e ideal de Abril.

Capitão-de-Fragata SEF (Reserva)

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