Refer demorou três anos a fazer queixa contra Godinho

Empresário avisou Vara da decisão quatro dias antes de a Relação do Porto publicar o seu acórdão. Processo está no Supremo

A Refer - Rede Ferroviária Nacional precisou de mais de três anos para intentar uma acção cível contra uma empresa do universo de Manuel José Godinho, o único detido no processo Face Oculta. E foi essa demora que levou o Tribunal da Relação do Porto a revogar a condenação da empresa O2-Tratamento e Limpezas Ambientais, SA, do pagamento de uma indemnização de 105 mil euros (acrescida de juros legais) pelo levantamento de car-ris e travessas de cerca de dois quilómetros da Linha do Tua. Os desembar-gadores, cuja decisão motivou recur-so para o Supremo, dizem que, ao con-trário do sustentado pela Refer, a administração da Rede FerroviáriaNacional, liderada primeiro por Braancamp Sobral e depois por Luís Par-dal, soube do caso em Fevereiro de 2004, através de um fax enviado pelo presidente da Junta de Freguesia de Vale da Porca, no concelho de Macedo de Cavaleiros, a alertar para o desmantelamento e carregamento dos carris.

Contactado pelo PÚBLICO, Braancamp Sobral, que foi exonerado por Mário Lino da administração da Refer, em Setembro de 2005, e substituído por Luís Pardal, disse não conseguir reproduzir com fiabilidade as datas dos acontecimentos. Mas afirmou que se recordava de o conselho de administração ter sido avisado, instruindo depois uma direcção-geral da empresa a intentar uma queixa contra o roubo. "Porventura o pedido de acção cível só pôde ter seguimento depois dessa queixa já estar resolvida", admitiu. Braancamp não se lembra se a queixa foi contra uma empresa, ou contra as pessoas que estavam no local a proceder ao levantamento dos carris.

De facto, o primeiro processo incidiu contra um encarregado de obra que acabou por ser absolvido, depois de o tribunal considerar que não estava a agir por iniciativa própria. O pedido de indemnização cível que se seguiu só foi concretizado mais de 36 meses após os factos, o que excede o prazo de prescrição que, para estes casos, era de três anos. O PÚBLICO não conseguiu obter por parte da actual administração da Refer uma justificação sobre a demora da entrada do processo cível.

A primeira decisão sobre este processo foi proferida em Dezembro de 2008 e rejeitou a argumentação da O2 quanto à prescrição dos factos, admitindo que a queixa tinha sido proposta cinco dias antes da extinção do procedimento criminal. Os desembargadores da Relação não subscreveram esta leitura, mas entenderam que a Refer tinha sabido do roubo dos carris dois meses antes.

Um golpe para Godinho

A condenação do tribunal de primeira instância foi um golpe nas relações de uma década que o empresário Manuel José Godinho mantinha com a Refer. No mandado de busca entregue aos ar-guidos no processo Face Oculta, os investigadores citam uma série de diligências e contactos, mantidos por Godinho e outros arguidos, na tentativa de repor a anterior situação de bom entendimento entre ambas. Segundo os investigadores esta "contenda judicial e extra judicial" em torno do desaparecimento da linha do Tua era considerada por Godinho o principal obstáculo à "reconquista de uma posição primacial" da O2 junto da Refer.

Enquanto a decisão da Relação não saiu, foram muitos os contactos em que o tema principal da agenda era o afastamento de Luís Pardal da administração da Refer. Um dos arguidos deste processo, quadro da Refer, tinha mesmo a incumbência de ir avisando Godinho sobre o posicionamento, o pensar e o sentir da administração da Refer relativamente ao seu grupo empresarial, bem como dar-lhe conta de novas oportunidades de negócios.

O mandado judicial revela também que Godinho terá admitido a este mesmo quadro entregar um do-nativo para uma campanha partidária, em Março de 2009, caso fosse supe-rado o seu problema com a Refer.E revela que, embora o ex-ministroMário Lino, que tutelava a Refer, e a sua secretária de Estado dos Transpor-tes, Ana Paula Vitorino, já tenham vindo a público desmentir que tives-sem sofrido pressões para afastar Par-dal da Refer, as escutas feitas pelos investigadores indiciam que ambosforam, pelo menos, sondados. Por exemplo, em Março de 2009, os inves-tigadores registaram um telefone-ma de Lopes Barreira (antigo dirigen-te da polémica Fundação para a Pre-venção e Segurança) para Godinho, a dar conta que ele e Armando Vara se iriam encontrar com Lino. E no dia 5 de Junho, quatro dias antes do acórdão da Relação, Godinho telefonou a Vara dizendo-lhe que havia ganho a acção da Refer, ao que Vara respondeu ser melhor esperar pelo conhecimento público dos factos para agirem.

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