Quase metade dos imigrantes estão com vontade de fazer as malas

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A nacionalidade portuguesa é desejada sobretudo por cidadãos oriundos dos países lusófonos DANIELROCHA

Estudo coordenado por Jorge Malheiros, que será hoje apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, diz que os desafios da integração dos imigrantes não acabaram, mas estão a mudar

Os imigrantes sentem-se integrados em Portugal, mas nem por isso muitos deixam de desejar partir. Eis, numa frase, o resultado do estudo que hoje, Dia Internacional do Migrante, é apresentado nas Jornadas do Observatório da Imigração, que decorrem na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Coordenado por Jorge Malheiros, o estudo Diagnóstico da situação da população imigrante em Portugal: características, problemas e potencialidades, parte de 5669 inquéritos, que, complementados com fontes secundárias, permitem descrever 13.520 membros de agregados familiares.

O inquérito foi feito no início de 2010, estava a crise quase no princípio. Lido o documento de 300 páginas, sobressai uma ideia: 48% desejavam deixar Portugal. E tal desejo era mais forte entre os mais qualificados e mais jovens. Queriam, sobretudo, regressar ao seu país de origem.

O "pico" da imigração ocorreu entre 1998 e 2002. Desde 2009, com o estourar da crise, sofreu uma redução significativa. O fluxo de entradas de imigrantes passou de 20 mil para menos de oito mil entre 2008 e 2010, período em que a população estrangeira encolheu de 457 mil para 437 mil.

A vontade de retorno não será alheia ao facto de a mais numerosa comunidade estrangeira residente em Portugal ser originária do Brasil, que vive um momento de grande expansão económica. Apesar da tendência de decréscimo, a população estrangeira ainda atingia 5,7% dos residentes. Impõe-se, conclui o documento, ajustar as políticas nacionais a um novo quadro migratório.

O fluxo de entradas já não se faz tanto em nome do trabalho, mas da reunificação familiar. E, neste contexto, alerta, "os desafios da "integração" não cessaram"; colocam-se noutro nível, "porventura mais orientado para os descendentes de imigrantes, a consolidação do quadro relacional no âmbito das estratégias de interculturalidade e a valorização mais explícita da diversidade".

Tal como noutros estudos, os dados recolhidos apontam para níveis de auto-avaliação da integração, por parte dos imigrantes, significativamente elevados, uma vez que mais de 90% se declara "integrado", "muito integrado" ou "muitíssimo integrado". Chamam a atenção para a importância de aspectos como "garantir mecanismos comunicacionais com os portugueses ("falar português"), possuir um quadro familiar favorável que, por sua vez, esteja ligado às instituições portuguesas ("ter a família em Portugal" e "os filhos na escola") e, de algum modo, acesso à nacionalidade portuguesa".

Um em cada cinco membros das famílias inquiridas possui apenas nacionalidade portuguesa - por ter perdido a originária ou por ter nascido em Portugal numa união mista. E 14% tem dupla nacionalidade. A nacionalidade portuguesa, "desejada por cerca de 70%, com destaque para os cidadãos dos PALOP, os brasileiros e os originários do subcontinente indiano, não tem apenas (ou sobretudo) um móbil formal", refere o relatório, que a partir de hoje figura na colecção Portugal Imigrante. Está muito associada à proximidade cultural e à melhoria da qualidade de vida.

Quem possui nacionalidade portuguesa tem níveis de desemprego inferiores. E isso conta quando se sabe que a maioria da população estrangeira compõe-se de "activos com profissão (58%), valor superior ao registado para o conjunto da população, que se situa abaixo dos 50%, e trabalha por conta de outrem (85%), proporção também mais elevada do que a observada para o conjunto da população, excepto no que se refere aos chineses, paquistaneses e venezuelanos".

Não é só o desemprego. Há também a precariedade. Na data do inquérito, 9% dos imigrantes declararam trabalhar sem assinar qualquer contrato, uma realidade que afectava mais os russos (14%) e os chineses (31%) e que não era alheia ao tempo de presença no mercado laboral.

Era, de resto, no emprego que mais se queixavam de discriminação racial e étnica. Mesmo assim, de um modo geral, "o relato de experiências directas é bastante inferior" à percepção que há na sociedade portuguesa: 42% referem experiências directas e quase 75% acham que há discriminação.

No dia-a-dia, os estrangeiros contactam com uma multiplicidade de instituição. Avaliam-nas de forma positiva. Nota menor, ainda que positiva, atribuem aos serviços associados ao controlo do Estado, como as polícias, ou que desempenham funções burocrático-administrativas, como os centros de emprego - o que não impede o desejo de partir.

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