Prémio Camões distingue poeta e ficcionista cabo-verdiano Arménio Vieira

A escolha do júri causou alguma surpresa, mas este prémio vem reconhecer
uma das vozes mais singulares da literatura contemporânea da África lusófona

a O prémio Camões foi ontem atribuído ao ficcionista e poeta cabo-verdiano Arménio Vieira, nascido em 1941, que assim se torna o primeiro escritor do seu país a receber o mais relevante prémio literário atribuído a autores de língua portuguesa. A decisão foi ontem anunciada por um júri que integrou os ensaístas portugueses João Carlos Seabra Pereira e Helena Buescu, os académicos brasileiros Marco Lucchesi e Rui Espinheira Filho, o escritor moçambicano Luís Carlos Patraquim e o poeta cabo-verdiano Corsino Fortes.Embora fosse razoavelmente previsível a escolha de um autor africano, já que nas duas edições imediatamente anteriores o prémio tinha sido atribuído a um português (António Lobo Antunes) e a um brasileiro (João Ubaldo Ribeiro), o nome de Arménio Vieira não deixa de constituir uma surpresa, dado que haveria outros candidatos aparentemente mais óbvios, incluindo o também cabo-verdiano Germano de Almeida. O autor de O Testamento do sr. Napomuceno da Silva Araújo foi justamente um dos autores que já se congratularam publicamente pela escolha do seu compatriota, afirmando que "o prémio é inesperado, mas está bem entregue".
O júri, que esteve reunido ontem à tarde no Rio de Janeiro, deliberou por maioria, e é provável que tenha jogado a favor de Arménio Vieira o facto de ser, além de ficcionista, um dos mais singulares poetas contemporâneos da África lusófona. Helena Buescu, ainda que sem destacar expressamente a poesia no âmbito da obra do premiado, afirmou ao PÚBLICO que essa sua dimensão foi "valorizada", até porque "há vários anos que um poeta não era distinguido". O último tinha sido o português Eugénio de Andrade, já em 2001.
Também o ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro salientou a circunstância de se tratar de um poeta, afirmando que a poesia é "a afirmação da língua na sua maior pureza". O ministro já tinha felicitado Arménio Vieira quando o PÚBLICO o contactou e diz ter percebido que este foi apanhado de surpresa, mas que estava muito contente com o prémio. Arménio Vieira irá agora receber cem mil euros, que lhe serão entregues em Lisboa, em data ainda a determinar.
Segundo Helena Buescu, que desvaloriza as alegadas lógicas rotativas do prémio, "a decisão resultou de uma discussão frutuosa e interessante" e "foi tomada em muito boa consciência". Em cima da mesa, reconhece ainda, "estavam outros nomes de igual peso literário".
Com uma obra relativamente escassa, Arménio Vieira é, todavia, um autor central da nova literatura cabo-verdiana, responsável por uma ruptura nítida - quer nos seus livros de ficção, quer na sua poesia mais recente - com a herança da geração de escritores que ficou associada à revista Claridade.
Nascido na Cidade da Praia em 1941, colaborou desde o início dos anos 60 em revistas e suplementos literários e publicou em 1981 a compilação Poemas, reeditada em 1998. Em 1990, publica a ficção O Eleito do Sol (editada em Portugal pela Vega), cujo protagonista é um antigo escriba egípcio, tema desde logo sugestivamente afastado das indagações mais identitárias de boa parte da ficção cabo-verdiana anterior. Seguiu-se-lhe No Inferno, em 1999, com edição portuguesa da Caminho, um romance que confirmou a originalidade e a dimensão experimental da sua obra. Recentemente, regressou à poesia, com MITOgrafias (2006), um livro percorrido por referências a vários poetas ocidentais, de Camões a Rimbaud.
Saindo pouco de Cabo Verde, onde reside, Arménio Vieira não é ainda um autor particularmente conhecido no exterior, como o não foi João Vário (1937-2007), possivelmente o poeta cabo-verdiano da sua geração com quem revela mais afinidades. Pode ser que este prémio sirva não apenas para projectar a obra de Arménio Vieira, mas também para despertar o interesse por outros autores cabo-verdianos. com Sérgio C. Andrade

Arménio Vieira é o quarto escritor africano distinguido com o Prémio Camões, depois do moçambicano José Craveirinha (1991) e dos angolanos Pepetela (1997) e José Luandino Vieira (2006), tendo este, no entanto, recusado a distinção. É também o regresso da poesia à galeria dos premiados, depois de Eugénio de Andrade (2001), Sophia de Mello Breyner (1999), o já citado Craveirinha, o brasileiro João Cabral de Melo Neto (1990) e Miguel Torga (a inaugurar o Camões, em 1989). Além de poetas e romancistas, foram igualmente premiados dois ensaístas: Eduardo Lourenço (1996) e o brasileiro António Cândido (1998).

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