Portugueses trabalham mais depois dos 65, a maioria por conta própria

Aumento das taxas de emprego entre os mais velhos na UE não se deve só ao desejo de continuar activo, também se explica com a crise, as baixas pensões e a dificuldade em pagar as contas

Os 65 anos marcam, na generalidade dos países europeus, a idade legal da reforma. E as taxas de emprego a partir dessa idade baixam abruptamente - para menos de 5%. Portugal é um caso à parte: 15% da população com 65 ou mais anos continua a trabalhar. É a percentagem mais alta da União Europeia (UE). A tendência é conhecida, mas um estudo recente revela que características têm estas pessoas que prolongam a vida laboral, o que as move e o que as afasta do mercado. Fica a saber-se, por exemplo, que, em Portugal, quase nove em cada dez o fazem por conta própria. Em nenhum outro Estado o peso do "auto-emprego" é tão grande.

O estudo chama-se Rendimento do Trabalho depois da Reforma na União Europeia, e foi publicado recentemente pelo Eurofound, uma agência europeia que se dedica a estudar as condições de vida na Europa. A relevância política do tema "trabalho depois da reforma" é, notam os autores, indiscutível: todas as orientações da Comissão Europeia vão no sentido de ser necessário aumentar a carreira contributiva da população, para garantir o sustentabilidade dos sistemas de pensões e o crescimento dos países.

A Comissão tem alertado para a necessidade de as pessoas trabalharem até mais tarde e pouparem mais para a sua reforma. E o aumento da idade legal de aposentação é tema recorrente de discussão - ainda que apenas um em cada três europeus concorde com essa ideia.

Certo é que a taxa de emprego depois da idade da reforma está a aumentar na UE (e isto acontece à medida que as taxas de emprego, em geral, diminuem). A expansão do contingente de "reformados-trabalhadores", como lhes chama o Eurofound, pode estar associado "ao aumento dos custos de vida e à redução dos rendimentos durante a recente crise económica", que tornaram as pensões insuficientes para manter alguma qualidade de vida, levando mais pensionistas a precisar de trabalhar.

Este aumento é particularmente evidente no grupo dos reformados mais jovens (dos 65 aos 69 anos). Alguns números: em 2011, 10,5% dos europeus com essa idade trabalhavam (por conta própria ou de outrem), contra 8,8% em 2005.

Portugal foi contra a corrente, a taxa de emprego nesta faixa etária desceu de 27,6% para 21,9%, continuando ainda assim a ser das mais altas da UE - e fenómeno idêntico aconteceu na Grécia. Explicação possível: se é verdade que também nestes países os rendimentos das pessoas caíram, com a crise houve tantos postos de trabalho a desaparecer que mesmo quem quer trabalhar depois dos 65 pode ter dificuldades acrescidas em encontrar onde.

De acordo com o Eurofound, um quinto dos seniores da UE trabalha porque não teria, de outro modo, rendimentos para fazer face às despesas - às suas, às dos familiares que apoiam ou às dos empréstimos que contraíram.

Uma nova geração de idosos

Por outro lado, regista-se uma "nova tendência": "As pessoas que atingiram a idade da reforma nos últimos anos são mais saudáveis do que as das gerações anteriores, têm níveis de educação mais altos e frequentemente gostam demasiado da sua vida profissional para a interromperem completamente" pelo que "três em cada cinco reformados que trabalham têm como motivação principal aspectos que não são monetários".

Por fim, também há muitos que gostariam de trabalhar e não têm oportunidade, continua o estudo. Porque não há resposta satisfatória por parte do mercado de trabalho. E porque são alvo de discriminação. São essas barreiras que se entende que devem ser derrubadas.

Os autores (Hans Dubois e Robert Anderson) compilam dados estatísticos de várias fontes, nomeadamente do departamento de estatística da UE, o Eurostat, e da OCDE, e debruçam-se especificamente sobre o que se passa em alguns países. Nos Estados Unidos, exemplificam, há um programa que permite que reformados possam receber uma espécie de bolsa, de um fundo com dinheiros públicos e privados, para adquirir "novas competências" em empresas. Competências que podem aumentar as suas oportunidades no mercado de trabalho.

Trabalho não declarado

Algumas limitações à investigação realizada, notam, são o facto de não se captar a realidade das pessoas que obtêm reformas antecipadas (antes dos 65 anos, admitindo-se que, por causa de crise, muitas foram pressionadas pelos empregadores a fazê-lo em condições pouco favoráveis), nem a daquelas que se reformam antes dos 65 porque, nos seus países, a idade legal de aposentação é mais baixa (em França é 60 anos, por exemplo, e em alguns Estados as mulheres podem reformar-se mais cedo).

Também o trabalho não declarado será frequente. Em Portugal, diz-se, tal como em Itália, Espanha e França, será comum que enfermeiras, consultores e agricultores tenham, após os 65 anos, rendimentos ocasionais que não declaram. Por tudo isto, o número dos reformados trabalhadores avançado pelo Eurofound estará subestimado.

Ainda assim, traçam-se as grande linhas que marcam o trabalho após os 65. São os homens, os mais novos e os mais escolarizados que tendem mais a prolongar a sua vida laboral. Na generalidade dos casos, mantêm os mesmo empregos que tinham antes da idade da reforma, muitas vezes em pequenas e médias empresas. É o perfil europeu, mas há diferenças de país para país.

Portugal, por exemplo, faz parte de um grupo, que inclui a Áustria e a Roménia, onde muitos acumulam a pensão com rendimento do trabalho. São pessoas mais velhas, que trabalham algumas horas por semana e o fazem frequentemente no âmbito de actividades como a agricultura ou a pesca.

Outro dado frequente: depois dos 65 perde-se poder de compra. E isto é verdade em praticamente todos os países da União. A mediana dos rendimentos da população europeia com 65 ou mais anos é 88% da registada na população dos 16 aos 64 anos. Só na Hungria e no Luxemburgo a situação melhora depois da reforma, segundo o Eurofound. Segundo o Eurostat, o rendimento médio da população portuguesa com 65 ou mais anos é de 9800 euros/ano (a média da UE dos 27 é 16.391 euros/ano), enquanto o rendimento médio da população até aos 65 anos é de 10.540 euros/ano (17.221 euros na UE).

O Eurofound nota ainda que o trabalho por conta própria é sempre mais comum depois dos 65 do que antes - em média, 49,7% dos europeus dessa faixa etária são trabalhadores independentes. Portugal, como já se disse, tem a taxa mais alta: 85,9%.

O part-time é outra característica do trabalho pós-65 anos (em Portugal, por exemplo, só 10% dos empregados até aos 64 anos trabalham a tempo parcial, mas a partir dos 65 acontece em mais de 65% dos casos).

O contingente de trabalhadores seniores parece ainda ter margem para aumentar. Dados do European Social Survey, recolhidos em 2010 e citados no estudo, mostram que 28,8% dos europeus reformados (incluindo os que têm menos de 65) teriam preferido continuar a trabalhar em vez de ir para casa.

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