Manifestação em memória de jovem morto acaba com apedrejamento e insultos a polícias

Uma agente da PSP da Amadora ficou ferida após concentração em que se exigiu justiça igual para "brancos e pretos, para pobres e ricos"

a Pedras, garrafas, sacos com lixo arremessados contra a esquadra da PSP. Foi assim, e também com muitos insultos e gritos a clamar justiça, que cerca de quatro centenas de pessoas protestaram, ontem à tarde, pela morte de um rapaz de 14 anos que, no dia 4, foi baleado mortalmente por um agente das brigadas de investigação criminal da Amadora.A concentração dos manifestantes fez-se a algumas dezenas de metros da esquadra, previamente vedada e com as janelas protegidas por gradeamentos metálicos. Depois, com cartazes a lembrar o falecido Kuku e outros a aludirem às desiguldades e injustiças sociais, o grupo estacionou em frente aos polícias (com coletes à prova de bala envergados). Dos megafones, de residentes da Quinta da Laje, mas também de grupos activistas que se juntaram, como a Associação Contra a Exclusão e pelo Desenvolvimento (ACED) ou a revista Rubra, saíram ligeiros discursos inflamados.
"Polícia bovino, assassino" foi uma das frases de ordem que ecoaram a princípio. Logo de seguida, escutaram-se os silvos das pedras que acabaram por colher uma agente da PSP no peito, tendo a mesma recebido tratamento prestado pelo pessoal de uma ambulância chamada ao local.
O comportamento violento de alguns (incitados por indivíduos colocados no meio do grupo e com o rosto tapado por cachecóis) não mereceu, no entanto, qualquer resposta violenta por parte da polícia.
Mesmo com as pedras a voar contra a esquadra e apesar dos muitos insultos, o mais que se viu foi um polícia de capacete a assomar à porta da esquadra e o comandante daquela área (que, antes da manifestação, recebera a visita do director nacional da PSP, superintendente Oliveira Pereira) a tentar dialogar com alguns jovens exaltados e que, invariavelmente, pediam a condenação do polícia que fez o disparo fatal.
"Não mataram um cão. Mataram uma criança", clamava um dos moradores da Quinta da Laje enquanto esbracejava em direcção aos polícias.
"Uma execução"
Se se excluírem os gritos de protesto de muitos dos moradores e as acções de algumas pessoas que foram para o local com um evidente intuito de acicatar os ânimos, restam as palavras do advogado Pedro Namora (um dos responsáveis pela divulgação da caso Casa Pia), e o pedido de explicações feito pelo presidente da ACED, António Pedro Dores.
"Estou aqui para manifestar solidariedade e para protestar contra a violência policial", disse Pedro Namora, que, de seguida, especificou que "o discurso utilizado pela polícia identifica a violência como algo que é quase sempre cometido por negros e ciganos, facto que acaba por se reflectir na opinião pública".
O advogado entende que a morte de Kuku, a ter sido consequência de um disparo a curta distância, "foi uma execução". Entende ainda que as acções policiais nos bairros pobres, como é o caso da Quinta da Laje, são a prova de que não se está apenas em presença de um problema racial, mas também de uma tendência que visa associar a criminalidade às classes mais desfavorecidas.
Já o presidente da ACED chamou a atenção para o facto de a criminalidade cometida pelos pobres não merecer, por parte do Estado, o mesmo tratamento que é dispensado aos delitos praticados pelos mais abastados. "A criminalidade dos pobres é diferente, é mais física e pode ser mais traumatizante para quem dela se inteira pela comunicação social. A criminalidade dos ricos é de colarinho branco e, sem dúvida, afecta muito mais gente. Estas evidências são facilmente manipuláveis pelo poder político".
António Pedro Dores entende que o tratamento que o Estado tem dado à investigação da morte de Kuku não é o mesmo que tem sido dispensado noutras ocasiões. "Compreendo bem a angústia da família, que está perante uma situação dramática e que não tem tido resposta por parte das autoridades. Tem de haver garantias de que todos os cidadãos e todos os factos são investigados e que se realiza o julgamento", adiantou.
400
as pessoas que ontem se juntaram frente à esquadra do Casal de São Brás. Muitos vieram de fora da Amadora

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