Fundação da Juventude fecha banco por causa de editoras

Lançado na Internet como um projecto de iniciativa cidadã, a ideia de reutilização dos livros escolares acabou por ser agarrada também por várias instituições. No Porto, a Fundação da Juventude (FJ) aceitou acolher um banco de livros, num espaço do rés-do-chão do seu Palácio das Artes, desde Fevereiro de 2011.

O "entusiasmo" da instituição levou-a a emitir um comunicado anunciando a abertura do banco, no Dia Mundial do Livro, e a apresentar-se como "líder" do projecto a nível nacional, o que surpreendeu e desagradou ao iniciador do movimento, Henrique Cunha. "As pessoas, se têm gosto e disponilidade, avançam. Se é apenas porque lhes pede alguma instituição... talvez não o façam", nota Henrique Cunha, que se afastou daquele banco para preparar a abertura do espaço que abriu agora na Avenida da Boavista.

"Nunca reconheci à Fundação da Juventude independência para lidar com este processo, que terá sempre quem se lhe oponha", explicou ao PÚBLICO. E, de facto, a FJ fechou o banco da Rua das Flores, no final de Maio. Ao PÚBLICO, o gabinete de imprensa da fundação - que tem, entre os seus fundadores, a Porto Editora - admitiu que esta entidade recebeu uma carta da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), mostrando desagrado pela sua associação a um projecto que prejudica a indústria do livro escolar. "Havia um conflito de interesses", assumiu a assessora Filipa Paiva.

Maior associado da APEL e líder desta área de mercado, a Porto Editora nega ter feito sentir aos responsáveis da instituição qualquer "incómodo". Mas, na resposta por email a perguntas colocadas pelo PÚBLICO, o porta-voz deste grupo editorial, Paulo Gonçalves, deixou clara a posição do grupo sobre esta matéria: "O movimento de troca de livros escolares é uma ameaça para o sucesso educativo dos alunos, sobretudo os carenciados."

Segundo o porta-voz da Porto Editora, "os alunos carenciados, supostamente aqueles a quem se procura "ajudar" com este movimento, recebem gratuitamente os livros por parte do Estado, e com eles podem ficar até ao fim do ciclo de ensino, da escolaridade - aliás, para sempre. E se reflectirmos quanto à probabilidade elevada de, em casa dos alunos carenciados, os manuais escolares serem os únicos livros existentes..."

A declaração é sustentada num estudo de 2011 do Observatório dos Recursos Educativos - que é promovido e apoiado pela Porto Editora. Começando por reconhecer que "é do conhecimento generalizado que o sistema de empréstimo está há muito implantado em países como a Alemanha ou a França por razões de ordem histórica que se prendem com a experiência traumática da 2.ª Guerra Mundial", o observatório só explora o que se passa em Espanha - "realidade cultural próxima", justifica - que começou a adoptar, a partir do ano 2000, condições, diferenciadas nas várias regiões, para o empréstimo de livros.

Citando uma avaliação de 2008 da Universidade de Santiago de Compostela ao sistema (ou sistemas) de empréstimo de Espanha, o observatório faz notar que "de uma forma geral, os professores constatam (...) que, com o sistema de empréstimo, há uma significativa quebra dos índices de interesse e motivação dos alunos". E depois, refere, "as crianças mais desfavorecidas tendem a ser aquelas que, por razões atinentes aos respectivos contextos de vida, mais danificam os livros". Por isso, conclui-se que no sistema de empréstimo poderão ver cair sobre as suas famílias os custos mais elevados pela perda de cauções ou o pagamento de indemnizações", um "paradoxo", alerta-se.

No estudo explica-se que em Portugal o Estado gastaria 104 milhões de euros, no primeiro ano, para pôr em prática um sistema generalizado de troca de livros, acrescidos de custos anuais com a reposição dos livros estragados. E avisa-se para o impacto que este sistema teria nas editoras e nas livrarias, que têm na venda de manuais uma receita importante para a sua sobrevivência.

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