Dúvidas sobre intromissão da Igreja abrem polémica em eleições no sector social

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A lista concorrente à da actual direcção diz ter o apoio do patriarca DANIEL ROCHA
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A lista concorrente à da actual direcção diz ter o apoio do patriarca DANIEL ROCHA

Padre invoca incentivo de D. José Policarpo em candidatura à CNIS contra Lino Maia. Direcção não gostou e escreveu aos bispos. "Era bom que partidos e bispos não fossem envolvidos"

É uma polémica eclesiástica? É uma intromissão do patriarcado nas eleições da CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade)? Os intervenientes garantem que não, mas há quem faça essas leituras a partir do facto de uma carta do padre Arsénio Isidoro, que lidera uma lista concorrente à direcção da CNIS, ter sido enviada pelos serviços centrais do Patriarcado de Lisboa. No texto enviado aos colegas do patriarcado, Arsénio Isidoro anuncia a sua candidatura e diz que este "não é um projecto pessoal, mas a resposta a um desafio das IPSS e com a autorização e incentivo do senhor patriarca".

O episódio justificou já duas outras missivas do padre Lino Maia, actual presidente da CNIS e que se candidata a um terceiro triénio, nas eleições que se realizam no próximo dia 4 de Fevereiro, em Fátima. Uma delas, dirigida às cerca de 1100 IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) directamente vinculadas à Igreja, que fazem parte da CNIS (num total de 2700 filiadas). A outra, dirigida aos bispos, dando a conhecer a mesma carta enviada às IPSS. Nestas, Lino Maia alerta para a necessidade de os padres não comprometerem o nome dos bispos no processo eleitoral da CNIS. E critica: "Receamos que o modo como foi feita a comunicação acima referida constitua um precedente que, no limite, se poderia traduzir na interferência directa do episcopado nos actos eleitorais da CNIS."

Um e-mail incómodo

Esta iniciativa, acrescenta Lino Maia na missiva, "afasta-se da prática adoptada, até agora, pelas sucessivas candidaturas" à direcção da CNIS. "Embora os presidentes da direcção da CNIS tenham sido padres católicos na sua maioria, nunca se socorreram, tanto quanto sabemos, da retaguarda das respectivas cúrias diocesanas", acrescenta. O Patriarcado de Lisboa não comenta o assunto.

"Os serviços da cúria deixaram-se instrumentalizar", diz ao PÚBLICO o padre Lino Maia, pároco de Aldoar (Porto). "Era bom que partidos e bispos não fossem envolvidos na CNIS." O que aconteceu é que o padre Arsénio Isidoro, pároco de Ramada e Famões (Loures) e presidente da Casa do Gaiato de Lisboa (uma instituição gerida pelo patriarcado), pediu aos serviços da cúria patriarcal que enviassem uma carta a apresentar a sua candidatura à direcção da CNIS. A carta foi enviada a partir do e-mail do Departamento de Comunicação do patriarcado, facto mal recebido por alguns padres e responsáveis de IPSS com quem o PÚBLICO falou.

"Foi apenas para partilhar com os colegas a minha carta", justifica Arsénio Isidoro, de 38 anos. Para agravar a polémica, a direcção da CNIS não viu com bons olhos que o patriarca tenha presidido a uma missa na paróquia do padre Isidoro, no dia de Ano Novo. Pode isso ser lido como uma declaração de apoio do patriarca ao padre da sua diocese? "As circunstâncias não foram as melhores, por isso permitem essa leitura", diz Lino Maia, de 64 anos, que é também assistente eclesiástico da Cáritas Diocesana do Porto.

Arsénio Isidoro considera não ser honesto apontar esse facto, que já estava decidido muito antes de ele próprio avançar com a sua candidatura. "O presidente da CNIS também reuniu" com o bispo de Bragança, sábado passado, diz Isidoro. O candidato que desafia a actual direcção da CNIS também "acha bem" que os bispos não sejam chamados ao acto eleitoral. "O senhor patriarca provavelmente nem soube que eu pedi para enviar a carta", diz, lamentando a "reacção despropositada" dos actuais responsáveis da confederação. Na carta enviada às IPSS católicas e aos bispos, Lino Maia diz que "seria nocivo para a CNIS, e para a própria Igreja, o envolvimento episcopal público vinculado a uma lista, qualquer que ela seja".

O facto de haver dois padres candidatos - o que já aconteceu há três anos - não é questionado por nenhum deles: "Nessa ocasião, quando percebi que seria um padre a liderar a outra lista, pensei em não avançar", diz Lino Maia, que garante que será este o seu último mandato, caso seja eleito.

Arsénio Isidoro diz que tem pessoas "de todos os quadrantes políticos e mesmo de diferentes religiões" na sua lista. "Foi o movimento "Juntos por uma solidariedade solidária" que achou que era eu a pessoa indicada para liderar", diz agora. Várias razões contribuíram para a candidatura, incluindo algumas das críticas que a lista de Arsénio Isidoro faz à actual direcção da CNIS. Entre elas, diz, o facto de não ter sido "defendido o ATL" na negociação com o Governo e a "permanência de assimetrias de salários dentro das próprias instituições".

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