Afinal de quem é o filme Corrupção de João Botelho?

Realizador e argumentista da
película adaptada a partir do livro
de Carolina Salgado querem deixar
a ficha técnica da obra

a No contrato que assinou com a Utopia Filmes para a elaboração do filme Corrupção, adaptado a partir do livro de Carolina Salgado, ex-companheira do presidente do FC Porto, Pinto da Costa, o realizador João Botelho terá assinado uma cláusula em que admitia que, em determinadas condições, o produtor Alexandre Valente poderia fazer a montagem final do filme e que está agora na discórdia entre ambos. No entanto, há quem levante dúvidas sobre a validade jurídica desta cláusula.Por causa das alterações introduzidas na longa-metragem por Alexandre Valente, que se recusa a comentar o caso, João Botelho e Leonor Pinhão, argumentista e sua mulher, querem ver os seus nomes retirados da ficha técnica do filme e de todo o material de propaganda da película. Em causa estão vários cortes feitos à montagem de João Botelho e alterações à banda sonora que este seleccionou para o filme. Em desacordo com o produtor da Utopia Filmes, que preferia sons contemporâneos, o realizador queria música clássica e jazz.
As informações foram recolhidas pelo PÚBLICO junto de várias pessoas que estiveram ligadas ao filme, mas pediram o anonimato. Leonor Pinhão não comenta e João Botelho esteve todo o dia inacessível.
Ana Cardoso, directora adjunta do departamento jurídico da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), não fala do caso em concreto, mas diz que nestas situações tudo depende do que as partes acordarem. Explica que, segundo o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, considera-se pronta a obra cinematográfica após o realizador e o produtor estabelecerem, por acordo, a sua versão definitiva. "No entanto, nada obsta a que as partes acordem de outra forma", salienta Ana Cardoso, admitindo, por isso, que pudesse um realizador ter dado poderes sobre a montagem final a um produtor.
Teixeira da Mota, advogado, também concorda. Conhece a decisão do tribunal de recurso francês que em 1973 considerou nula uma cláusula que previa que, na falta de acordo entre o produtor e o realizador, o primeiro decidia sobre a versão final da obra, mas considera que hoje já não será assim. "Na minha opinião nada impede que as partes acordem de forma diferente do que prevê a lei. O que existe é um regime supletivo, não é imperativo", acredita.
Teixeira da Mota diz que, não existindo cláusulas especiais, João Botelho poderá interpor uma providência cautelar para impedir a saída desta versão de Corrupção, mas não poderá obrigar o produtor a lançar a sua versão. "Para isso a lei exige que haja acordo", esclarece.
Ana Cardoso explica alguns princípios gerais dos direitos de autor: "Este tem o direito de reivindicar a paternidade da obra, como tem igualmente o direito de a repudiar se houver grandes alterações que façam com que não se reveja no que fez."
a Provavelmente não é um nome que lhe diga muito, mas também não estranha. Se calhar até já viu alguns filmes assinados por este presumível realizador: Alan Smith. Se já viu, o que significa é que na realidade ninguém quis assinar a realização deste filme.
"É a forma que têm nos Estados Unidos da América para resolver situações em que o realizador por qualquer razão não quis assinar a película", explicou ao PÚBLICO, Tino Navarro, da MGN Filmes, uma das principais produtoras cinematográficas nacionais.
Nos Estados Unidos não existe o conceito de direito de autor europeu, tendo o produtor o poder sobre a obra cinematográfica. O artista entrega o seu trabalho ao produtor, que faz dele o que quiser, sem qualquer limitação.
Na Europa, por seu lado, há uma dimensão dos direitos de autor que não é alienável. Em Portugal é assim e, por isso, Tino Navarro entende que é fundamental que exista uma relação de grande confiança entre o produtor e o realizador.
No seu caso, e realça que já produziu mais de 30 filmes, diz que conseguiu sempre chegar a acordo com o realizador sobre a versão final do filme.
Mas os conflitos não são inéditos no meio cinematográfico. "Inédito é virem a público", diz.
"A primeira coisa que tenho que perceber quando entro num projecto é se quero produzir o filme que o realizador quer realizar. Tem que haver sintonia", insiste. A eterna dicotomia entre quem investe e quem cria. Mariana Oliveira
A estreia do filme Corrupção já está marcada e se não houver contratempos a longa-metragem deverá começar a ser exibida nas salas de cinema do país a 1 de Novembro. A Utopia Filmes, que produz a película, atingiu um recorde de bilheteiras com O Crime do Padre Amaro, que teve 400 mil espectadores, e espera superar a dose com a nova longa-metragem. Segundo a produtora, o filme deverá passar por 35 a 40 salas de cinemas do país e ter ainda um percurso internacional. O financiamento será privado, num orçamento que "rondará os 1,5 milhões de euros".

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