Votar ou não votar — eis a questão

Como é possível inverter a espiral depressiva, e de descrença, que tomou conta de tanta gente?

Os debates e as opiniões avulsas que actualmente podem ser escutados ou lidos sobre as próximas eleições legislativas, em vários órgãos de comunicação social, centram-se sobre a perplexidade que os resultados das sondagens que têm vindo a ser publicadas levantam, face à possibilidade de nessas eleições existir o risco de não haver uma maioria clara de um partido, em coligação ou não, que possibilite a existência de um Governo de maioria absoluta.

Não quero fazer a apologia desta situação, até porque não tenho a certeza de que um tal Governo possa, isentamente, resolver os problemas que hoje se colocam à sociedade portuguesa, tanto numa perspectiva social como numa perspectiva económica. E para mim é claro que, se o partido vencedor for o PS, ele poderá apenas conquistar uma maioria relativa e terá, como muito bem tem sido assinalado por alguns especialistas mais avisados na matéria, fortes dificuldades em conseguir acordos minimamente seguros à sua esquerda. À direita julgo que a questão nem se coloca para já, em termos práticos.

Quero tão-somente colocar em cima da mesa alguns factos, mais objectivos uns, mais subjectivos outros, que deveriam neste momento preocupar os partidos do chamado arco da governação e, em especial, o Partido Socialista, e que têm a ver com o risco de que falo atrás e com as verdadeiras razões por que esse risco existe.

Antes de mais nada porque será a abstenção, bem como o aumento dos votos brancos ou nulos, que darão origem a que ele se possa concretizar — e as sondagens não conseguem, nunca conseguiram, avaliar com segurança a dimensão que a abstenção poderá assumir e quais as suas consequências mais negativas.

E porque se existir uma alternativa com propostas que respondam a expectativas do eleitorado ela poderá roubar votos aos partidos tradicionais. As sondagens também aqui se deparam com um terreno difícil de estabelecer com segurança.

E se houvesse dúvidas sobre como os resultados destas realidades abstenção, aumento de votos “perdidos”, alternativas motivadoras podem afectar resultados obtidos por partidos ou individualidades tradicionais, aí estão os exemplos reais de dois actos eleitorais que tiveram lugar recentemente.

O PSD voltou, efectivamente, a ganhar as últimas eleições na Madeira, mas neste acto eleitoral:

a) Entre abstenções e votos brancos e nulos perdeu-se cerca de 8% do eleitorado. O PSD ganhou as eleições entre menos de metade do universo potencial ao seu alcance;

b) O PSD perdeu cerca de 15 mil eleitores, o CDS mais de 8 mil e o PS mais de 2 mil;

c) O Juntos Pelo Povo conseguiu arrebatar 10% dos votos, tendo elegido quase tantos deputados como o movimento que integrava o PS, porém tendo sido a única das quatro novas alternativas a conseguir gerar votos.

Cavaco Silva ganhou a Manuel Alegre nas últimas eleições para a Presidência, mas nesse acto eleitoral:

a) A abstenção cifrou-se em mais 15% do que em 2006. Cavaco Silva foi eleito em 2011 por 23% do seu eleitorado potencial; no acto anterior, 2006 (com menor número de inscritos, note-se), havia sido eleito por 31%;

b) Entre 2006 e 2011 Cavaco Silva perdeu mais de 500 mil votantes;

c) Manuel Alegre perdeu mais de 300 mil dos seus votantes em 2006, enquanto Fernando Nobre conquistou quase 600 mil.

Este é, pois, o cerne da questão: para onde foram os que decidiram não votar ou votar e resistir ao chamamento das alternativas tradicionais? E o que encontraram nas novas alternativas surgidas?

E o que se perfila para as próximas eleições é, quanto a mim, um agravamento destas situações. Uma simples observação qualitativa a partir de conversas informais, não estruturadas a base de qualquer investigação desta natureza —, revela que grande parte da população portuguesa estará sem expectativas face à vida, ao trabalho, às condições materiais da sua existência. Está cansada de ouvir políticos a dizer que tudo está melhor, mas a encontrar no seu dia-a-dia desmentidos permanentes mesmo ao pé de si. Por outro lado, está também quase acomodada ao destino que lhe calhou, porque não descortina, nas alternativas que conhece, coisas substantivas que a motivem a escolhê-las.

E resumindo, está mais do que acomodada à ideia de que não vale a pena ir votar. 

Mas há alguns que ainda podem ou querem acreditar. E poderão acreditar se…

Seria para estes aspectos que deveriam estar orientadas as grandes preocupações dos partidos que se preparam para disputar as próximas eleições legislativas como é possível inverter a espiral depressiva, e de descrença, que tomou conta de tanta gente? Em última instância: como fazê-las acreditar que votar, ou seja, escolher, valerá a pena? E é agora que a procura de respostas tem de ser feita, ainda em tempo útil.

Consultora de marketing e estudos de opinião

Sugerir correcção
Ler 6 comentários