Vítor Bento acumulou presidência do BES e lugar no Banco de Portugal

Antigo conselheiro de Estado não chegou a assinar a sua aposentação antecipada do banco central, tendo exercido o seu mandato no BES, e mais tarde no Novo Banco, apesar de estar abrangido pela proibição ditada pela lei orgânica do Banco de Portugal.

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Vítor Bento é conselheiro de Estado Nuno Ferreira Santos

“Como é que foi possível a Vítor Bento, atendendo à Lei Orgânica do Banco de Portugal, assumir a presidência do Banco Espírito Santo? Como é que o governador do Banco de Portugal autorizou que Vítor Bento, quadro do Banco de Portugal, tenha assumido a presidência do Banco Espírito Santo?” Estas são as duas perguntas que constam do requerimento, tornado público nesta quarta-feira, por João Semedo, deputado do BE.

Dirigido a Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, o requerimento faz eco de uma contradição flagrante no próprio discurso daquela entidade. Durante a manhã, já a blogger Joana Lopes (na sua página Entre as brumas da memória) mostrava que entre a notícia de quarta-feira, do DN, dando conta do regresso de Vítor Bento ao Banco de Portugal, e um outra, do jornal i, de 19 de Julho, qualquer coisa não batia certo.

É que, em Julho, fonte oficial do BdP assegurava que, "após solicitação do próprio, o conselho de administração [do Banco de Portugal] aprovou a cessação do contrato de trabalho [de Vítor Bento], com efeitos a data anterior ao início das suas funções no BES”.

Esta “cessação do contrato” era, aliás, obrigatória, à luz da lei orgânica do BdP, que estipula no seu artigo 61.º que, “salvo quando em representação do banco ou dos seus trabalhadores, é vedado aos membros do conselho de administração e aos demais trabalhadores fazer parte dos corpos sociais de outra instituição de crédito, sociedade financeira ou qualquer outra entidade sujeita à supervisão do banco ou nestas exercer quaisquer funções”.

Era este, precisamente, o caso. Vítor Bento não foi convidado para a presidência do conselho de administração do BES pelo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, nem foi nomeado pelo regulador como seu representante na administração daquele banco. Essa seria a única hipótese legal para acumular as duas funções. 

Vítor Bento assumiu a presidência executiva do BES no dia 14 de Julho, a convite dos accionistas. Manteve-se à frente daquele banco privado até à sua "resolução", em 3 de Agosto, data em que transitou para o recém-criado Novo Banco, a instituição que recebeu os “activos bons” do extinto BES. No passado dia 13 de Setembro, Bento apresentou a sua demissão, aparentemente em desacordo com a estratégia do Governo e do BdP. 

Na passada segunda-feira, segundo revela o DN, regressou ao BdP, onde mantém o vínculo que tinha, desempenhando as funções de “consultor do conselho de administração”. Tudo porque não chegou a formalizar a sua reforma antecipada, que o próprio BdP dava como garantida e "aprovada", em Julho.

E é esse regresso que agora levanta dúvidas. Sabendo-se da incompatibilidade que a lei estipula, e que proibiria até que Bento exercesse “quaisquer funções remuneradas fora do Banco [de Portugal]” (art.º 61, al. 2 da Lei Orgânica do BdP), João Semedo espera que cheguem ao Parlamento explicações.  

Já de noite, às 20h41, o BdP emitiu um “esclarecimento” sobre esta situação. Nesse texto, a instituição confirma que “autorizou, em resposta a solicitação de 4 de Julho de 2014, a passagem à situação de reforma do Dr. Vítor Bento”. Porém, continua o BdP, “o acordo que formalizaria” a reforma “não chegou a ser assinado” pelo ex-conselheiro de Estado.

A novidade, acrescentada agora, é que o BdP considera legal a acumulação de vínculos no regulador e no BES. De facto, nesta nota enviada ao PÚBLICO, o BdP afirma que, ao manter-se em regime de “licença sem retribuição”, Vítor Bento tinha o equivalente a uma “suspensão do contrato”, o que “não gera qualquer incompatibilidade legal”. 

No entanto, a lei orgânica não dá primazia à questão do vencimento no artigo em que estipula a incompatibilidade. Antes fala de uma interdição para os membros do regulador de trabalhar em qualquer “entidade sujeita à supervisão do Banco”. O que era o caso do BES…

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