Vida difícil

Se quiser vencer, o PS terá que reunir inteligência, ambição, ideias claras e muitas energias.

O PS vai ter uma vida difícil para chegar ao poder. A coligação está preparada e oleada para vender cara a derrota. A situação social, económica e política, na percepção que a coligação se tem esforçado por disseminar, será diferente da de agora e da de há um ano atrás.

Haverá novas oposições ao centro e à esquerda que irão morder no PS para se afirmarem e finalmente, o PS está em plena mudança interna ainda não estabilizada. Se quiser vencer, terá que reunir inteligência, ambição, ideias claras e muitas energias.

A coligação. Está disposta a vender cara a sua saída do poder, como é cada vez mais patente no controlo obsessivo do aparelho de estado e na agressividade da mensagem. Com toda a força da sua propaganda, autoconvenceu-se de que pode vencer as eleições do Outono. Não terá outra semana difícil como a penúltima, à qual se seguiu uma de exploração impiedosa de um deslize de Costa. Da coligação tudo se espera, até engolir o que disse no passado, vomitando o contrário. É a sua especialidade. A Grécia já não é um pobre país indisciplinado e devedor, mas um Estado-Membro com quem nos compraz ser solidário. A coligação seguirá unida, com os mesmos episódios de sempre, logo esquecidos e depois cobertos pelo cimento do poder.

As incertezas da economia. São cada vez mais explícitas, por mais forte que seja a fantasia. No Outono, a coligação deixará um país difícil de gerir. Se for ela a governar, passará de imediato à oposição do que fez. Se for o PS, encontrará um País que quase não cresce, onde emigraram centenas de milhares de jovens e adultos treinados que já não enviam remessas como os de antigamente, preferindo investir lá fora. Um país onde o emprego não cresce, o desemprego desistiu de lutar, apenas apoiado pela informal sociedade-previdência, onde as exportações aumentam a rasgos de audácia individual ou a golpes de conjuntura. O semestre europeu apresentado por Bruxelas surge de má catadura e cheio de cepticismo sobre crescimento e empregos e de alertas contra a tentação eleitoralista. O governo enche-nos ouvidos com a baixa das taxas de juro da dívida soberana, ufanando-se de enfeites que não são seus, mas do Sr. Draghi. O modelo social, sem outras reformas que não cortes, revela agora sinais de roturas impossíveis de evitar ou coser, por o pano ser o mesmo, sem reforma nem reforço. Delido pelo uso e pela lavagem rasga-se a cada passo. O turismo beneficia dos factores naturais, dos voos low cost, de operadores treinados e experientes, da visão dos autarcas das principais cidades e também, convenhamos, de melhores infraestruturas (portos, estradas, parques, hotéis, transportes, circuitos) e de uma prolongada, mesmo que dispendiosa, reabilitação do património. Sinal dos tempos, há milhares de turistas em Lisboa e Porto neste fim de inverno. Certamente também no Algarve e Madeira.

Novas oposições. Menos à coligação que ao PS. Novos partidos se perfilam, desde o centro, atraindo à direita e à esquerda, além do clássico PC e do esfumado Bloco. Dos novos partidos, centrifugados do Bloco, não se espere ataques contra a direita. Dela nada pretendem, nem simpatia nem votos fugidos. Cumprirão os mínimos. A sua energia vai contra o PS que atacarão como seu inimigo principal, onde predarão para se afirmarem. Nada de bom pode o PS esperar de tais partidos e saber se depois será possível uma coligação depende de tantas incógnitas que qualquer racionalista se sentirá perdido. Não hostilizem, mas esqueçam. Estável, certinho, só o PC. Daí tudo é previsível, igual ao passado, isto é, o capital de queixa é sempre preferível à solução do motivo de queixa.

O deslize. Costa agradeceu a chineses terem investido em Portugal em tempos difíceis e, para garantir confiança sustentável, teria deixado escapar que o País estava diferente de há quatro anos, quando os três partidos (CDS, PSD e PS) subscreveram o memorando pedindo a intervenção da Comissão, do BCE e do FMI. Diferente para melhor, em termos de confiança para investidores, naturalmente. Um arguto Nuno Melo, de tocaia, cortou a frase e deslizou-a pelas redes, alertando os media que a agarraram como filet mignon. Logo se apressaram as cassandras a prever perseguição infernal a Costa, carregando a frase como defunto sem descanso. Outros preferem ver nessa frase uma armadilha de Costa, estadista em potência, para caçar no centro-direita e agradecem a publicidade inesperada. Uns e outros exageram. Costa fez o que devia. Quem aspira a primeiro-ministro tem obrigações nacionais, não só partidárias.

Programas. Não sou dos que pensam que falta um programa, ideias, bandeiras, slogans. Existem bases programáticas, cuja virgindade de leitura e comentário só confirma a habitual iliteracia de analistas e comentadores. Convencer Costa a distribuir semanalmente pérolas políticas, só lembra o pior de Marcelo, quando presidente do PSD. Montar a fábrica de ideias a toda a força, para com elas ocupar o espaço mediático seria improdutivo, ineficiente, perigoso e atrozmente ridículo. Mais vale pouco, mas bom. O que recomenda trabalho metódico, congregar, mastigar o real e a construir o futuro. Parece fácil, mas não é. Se o PS quiser vencer terá que reunir inteligência, ambição, ideias claras e muitas energias. Fugir do sectarismo sem cair na novidade que envelhece depressa. Fugir da demagogia, sem cair no vazio ideológico. Fugir das promessas impossíveis, das afirmações bombásticas e das ambições irrealizáveis sem cair no cepticismo, na perda de ambição medida, nas sementes do rotativismo. Não é fácil, mas tem que ser feito.

Arranque. O PS tem custado a arrancar. Excesso de confiança no mecanicismo da revolta social, corte geracional interno ainda mal assimilado, ambições de protagonismo legítimo mas ainda não confirmado. São de todos os tempos e lugares as facas que se afiam a cada erro, as intrigas que se urdem, as invejas de excluídos que ainda o não foram, a par de alguma inexperiência e destreino. Um grande partido como o PS, interclassista e pan-territorial tem sempre dificuldade em gerir a mudança. Mudança de geração, mudança do contexto, mudança na economia anémica, mudança nas lideranças europeias, mudança no paradigma energético e climático, mudança na relação com países terceiros, instabilidade geoestratégica cujos contornos futuros se receiam, por verdadeiramente se ignorarem. Estamos a sete meses de eleições. No encontro dos autarcas em Santarém o PS ergueu a cabeça e respirou fundo. Mostrou ideias. Costa salvou a semana.

Professor catedrático reformado

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