Açores "provam" que políticas nacionais dos últimos anos "não eram inevitáveis"

O presidente do executivo socialista dos Açores defendeu a extinção do cargo de representante da República nas regiões autónomas e a possibilidade de candidaturas de listas de independentes ao parlamento açoriano.

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Vasco Cordeiro, presidente do governo açoriano Foto: José António Rodrigues

O presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, disse nesta segunda-feira que as "opções políticas nacionais" dos últimos anos, que arrastaram o país para uma "tormenta", não eram inevitáveis e que o arquipélago é a prova disso.

"Entre a agenda ideológica de uns, a neutralidade colaborante de outros e, ainda, a inércia de alguns, o nosso país foi arrastado para uma situação em que voltaram a surgir, com gravidade, chagas sociais como o desemprego, a pobreza, a fome e uma fragilidade gritante, sobretudo, ao nível dos sectores mais vulneráveis da sociedade", disse Vasco Cordeiro, no discurso que proferiu na sessão solene que celebrou a Dia da Região Autónoma dos Açores, nas Lajes das Flores.

Para o presidente do executivo socialista açoriano, os Açores foram inevitavelmente afectados por essa "tormenta", mas, ainda assim, e fazendo uso das competências e recursos regionais, foi possível criar uma "via açoriana" para fazer este caminho e paliar os efeitos das medidas nacionais, sublinhou.

Referindo os complementos a salários e apoios sociais que existem nos Açores, assim como a diminuição de impostos, Vasco Cordeiro sublinhou que a região fechou 2014 com um défice de 0,1% do seu Produto Interior Bruto e uma dívida pública de 35% do PIB.

"A autonomia açoriana desmentiu dois mitos políticos dos tempos modernos. O primeiro, o da inevitabilidade das opções políticas que foram seguidas a nível nacional. O segundo, o da incompatibilidade entre finanças públicas saudáveis e bem geridas e uma política pública que, pura e simplesmente, assuma as suas responsabilidades no que respeita aos apoios às famílias e às empresas", afirmou.

Vasco Cordeiro congratulou-se, ainda, com alguns "indicadores de recuperação" que considera serem hoje visíveis nos Açores, ao nível do desemprego e do turismo, mas sublinhou que "ainda não está concluída" a tarefa de sair "deste período de tormenta".

"É importante lembrarmo-nos de que o sucesso da nossa autonomia, também nesse domínio, se mede pela nossa capacidade de fazer estender esses bons indicadores a todas as nove ilhas da nossa região", afirmou.

Listas de independentes
Vasco Cordeiro defendeu ainda a extinção do cargo de representante da República nas regiões autónomas e a possibilidade de candidaturas de listas de independentes ao parlamento açoriano.

"Quarenta anos passados [sobre o funcionamento da autonomia], não há, nem razões, nem justificações para que se mantenham soluções organizativas que parecem dever mais a desconfianças ou receios sobre a autonomia do que à confiança que os seus objectivos e os seus fundamentos nunca puseram em causa", disse Vasco Cordeiro sobre o cargo de Representante da República.

Para Vasco Cordeiro, é "tempo de reflectir e debater sobre a extinção do cargo de Representante da República", cujas competências, definidas na Constituição, estão reduzidas "a tarefas de representação, de promulgação de diplomas regionais e de suscitar a fiscalização da constitucionalidade e legalidade dos mesmos", mas, "incompreensivelmente", tem também "competências de veto político para as quais não detém a imprescindível legitimidade democrática".

O presidente do executivo socialista dos Açores propõe que o "acervo competencial" do representante da República seja "afecto a soluções organizativas de raiz regional, criadas ou a criar".

Lembrando que em 2016 se celebram 40 anos da autonomia constitucional, defendeu que é o momento de "dar o passo seguinte", introduzir-lhe "melhorias e aperfeiçoamentos" e fazer dela, também, um "meio para o reforço da participação democrática dos cidadãos" e não ser já apenas, como aconteceu nestas décadas, um "instrumento de melhoria de bem-estar material" do povo da região.

"Muito se tem discutido sobre a aproximação entre eleitos e eleitores e sobre a qualidade da nossa democracia, julgo ser tempo de se analisar e debater a possibilidade de candidaturas subscritas por listas de cidadãos independentes à Assembleia Legislativa da Região, bem como a consagração de um sistema de listas abertas", defendeu, explicando que, neste último caso, "para além de votar no partido político, o eleitor ordena os candidatos da lista de acordo com a sua preferência".

Em Portugal, apenas partidos políticos podem apresentar listas de candidatos à Assembleia da República ou aos parlamentos regionais.

Para além de uma revisão constitucional neste sentido, Vasco Cordeiro deixou ainda uma terceira proposta neste discurso, relacionada com os conselhos de ilha que existem no arquipélago, que são órgãos consultivos do executivo e do parlamento açoriano, integrando diversos representantes de cada uma das nove ilhas.

Vasco Cordeiro propôs que os conselhos de ilha passem a ser eleitos e a ter "competências executivas", o que passaria por um processo de transferência de competências dos municípios e da região para estes órgãos.

PSD e CDS acusam Cordeiro de "eleitoralismo"
PSD e CDS-PP dos Açores condenaram o discurso "eleitoralista" do presidente do executivo regional no Dia da Região e consideraram que as propostas sobre a reforma do sistema político autonómico não são novas.

O dirigente do PSD/Açores António Marinho disse aos jornalistas que o discurso de Vasco Cordeiro "acabou por tombar" para um lado "perfeitamente eleitoralista" e que o presidente do Governo dos Açores "se esqueceu" de referir que a austeridade nacional se deveu à "bancarrota" a que o socialista José Sócrates levou o país.

Além disso, para o PSD, a crise que afectou os Açores tem também causas de "natureza regional", de que os socialistas, que governam a região há quase 20 anos, não se podem demitir. Ainda assim, o dirigente social-democrata considerou positivas as propostas de Vasco Cordeiro sobre a reforma do sistema político autonómico, mas sublinhou que não trazem nada de novo em relação àquilo que o PSD/Açores anda a propor há "muito tempo".

Já o presidente do CDS/Açores, Artur Lima, considerou as propostas de Vasco Cordeiro "à Podemos e à Syriza" desadequadas para o Dia da Região, com "nada de novo" e "gastas", além de eleitoralistas. E criticou Vasco Cordeiro por ter dedicado "metade do discurso" a atirar "culpas" à República pela situação dos Açores, esquecendo que mais de metade das receitas da região vêm do Orçamento do Estado e "quem paga" os apoios sociais. "Atirar aos outros as culpas do nosso fracasso fica mal", afirmou.


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