Uma Senhora

Conheci a Dra. Maria de Jesus Barroso numa noite do Verão de 1969 em Coimbra.

Ela deslocara-se aí expressamente para apoiar o movimento dos estudantes universitários, então em greve aos exames na Academia de Coimbra.

Como habitualmente e ao longo de muitas noites desse Verão de 1969, nós todos jovens estudantes ocupavamo-nos não a estudar mas a assistir aos inúmeros espectáculos organizados pela Associação Académica. Ou ouvíamos cantar o Zeca Afonso ou o Adriano Correia de Oliveira ou assistíamos a um espectáculo de teatro ou de poesia.

No programa desse dia, aquela Senhora franzina e miudinha que conheci naquela noite ia dizer-nos poesia. Ela estava alojada numa moradia do meu bairro e que eu frequentava diariamente, dos pais de uma amiga, com quem eu habitualmente estudava.

Era uma noite húmida e com alguma chuva de Verão. Ela estava preocupada com algumas questões e queixou-se de dores de garganta. A caminho da Associação Académica e debaixo do meu chapéu de chuva aconselhei-a a não utilizar o spray que lhe tinham dado. Na minha
ingénua e jovem ignorância disse-lhe que aquilo era utilizado pelos asmáticos (como a minha irmã) e não para as dores de garganta. Ela ficou radiante com tal conselho e julgo que a razão foi o de ter ido ao encontro da sua vontade.

Na sequência desta conversa conta-me então da sua grande preocupação com a saúde do marido, deportado em S.Tomé e Príncipe, com falta dos medicamentos que necessitava. Foi a primeira vez que ouvi falar no Dr. Mário Soares.

A conversa versou ainda sobre as suas vivências políticas. Que estava preocupada com a forma como iria ser recebida nessa noite na Associação Académica. Porque poderia encontrar algum dos políticos com quem se tinha confrontado na 1.ª Convenção da Esquerda Democrática em Aveiro.

Naturalmente que nenhum mal aconteceu a esta grande Senhora da cultura e da política e aquela foi uma noite magnífica onde a ouvimos dizer os poetas do Cancioneiro.

Recordo-a assim, uma Senhora franzina e miudinha, com uma voz enérgica, uma presença forte, uma cultura da memória e um excepcional dizer que jamais ouvi igual.

Que os Deuses a protejam no seu descanso.

Lisboa, 6 de Julho de 2015

Teresa Sá e Melo é engenheira reforma

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