Uma política externa de mínimos

Paulo Portas e Rui Machete esvaziaram a política externa, cortando para além do razoável o número de diplomatas, técnicos, funcionários consulares e recursos das embaixadas e consulados.

Desde o início do seu mandato que o Governo não tem olhado a meios para obter receita. Corta a eito, vende o que pode, aumenta impostos e o preço dos serviços e emagrece a administração sem se preocupar com a sua ineficiência. Não apenas para resolver os desequilíbrios financeiros, mas também por razões ideológicas associadas a uma mentalidade que dá mais valor à contabilidade de mercearia do que à preocupação em proporcionar melhor qualidade de vida e serviços públicos eficazes para todos os cidadãos.

No domínio da política externa não é diferente. O desinvestimento que foi feito tem necessariamente impactos negativos na nossa capacidade de afirmação geopolítica, nas instituições internacionais e na defesa dos nossos interesses. O Governo enveredou por uma política insensata de cortes de pessoal num ministério que representa menos de 0,6 por cento do total do Orçamento do Estado, ignorando toda a importância que tem na política externa a nossa ligação ao mundo por via da nossa história, do nosso legado cultural e humano e das comunidades portuguesas.

Sucessivamente, Paulo Portas e Rui Machete esvaziaram a política externa, cortando para além do razoável o número de diplomatas, técnicos, funcionários consulares e recursos das embaixadas e consulados. E Paulo Portas foi ainda mais longe ao esvaziar também o Ministério dos Negócios Estrangeiros da AICEP, deixando o seu sucessor de mãos a abanar, depois de um mandato estilo foguetório em dia de arraial. Com efeito, cerca de dois terços das nossas embaixadas têm apenas um ou dois diplomatas, que trabalham com muito poucos recursos, dificultando a sua presença em reuniões e encontros e obrigando-os a terem de fazer tudo e mais alguma coisa, mesmo a pagarem despesas do seu bolso.

É necessário reconhecer, por isso, o extraordinário espírito de entrega e abnegação dos nossos diplomatas e funcionários consulares que dão sempre o seu melhor, apesar das condições deficientes em que trabalham. Mas por maior que seja a sua dedicação, é difícil fazerem milagres. O atendimento consular degradou-se a tal ponto que hoje os portugueses esperam dois ou mais meses pela obtenção de um cartão do cidadão ou de outro documento. Regressaram as filas de espera e expandiram-se os call centers e os outsourcings e com eles também a tendência para a privatização dos serviços consulares.

E apesar dos emolumentos consulares terem engrossado em mais cerca de 10 milhões de euros o Fundo para as Relações Internacionais do ministério, nem por isso as principais políticas para as comunidades foram beneficiadas. Pelo contrário, o atendimento nos postos consulares, o ensino de Português no Estrangeiro e os apoios sociais degradaram-se acentuadamente.

A procura de receita a todo o custo sobrepôs-se à orientação política estratégica, tendo atingido o seu ponto mais expressivo com os vistos gold entregues de qualquer maneira e com a abertura de secções consulares em lugares tão inesperados como Baku, Islamabad, Astana ou Manila, numa lógica de rentabilização dos vistos, em contraponto com a redução aos mínimos da nossa presença em centros financeiros mundiais como Frankfurt, Londres ou Nova Iorque, neste caso onde temos uma chefia de missão quase sem orçamento. Ou seja, onde todos os países têm as maiores representações, Portugal quase não existe.

Quando olhamos de perto para a nossa política externa, facilmente constatamos o fracasso que têm sido as relações com países tão relevantes para Portugal como os Estados Unidos, França ou Angola. Os Estados Unidos têm tratado Portugal de forma absolutamente displicente e, no entanto, o reforço das relações transatlânticas é sempre uma das grandes prioridades. Por outro lado, não se compreende a razão pela qual o Governo suspendeu as cimeiras bilaterais com a França, um país estratégico para Portugal, entre outras coisas devido à extraordinária importância da comunidade portuguesa em termos políticos e económicos. E como explicar que as relações com Angola tenham passado por um dos piores momentos, como se constata pelo fim das cimeiras entre os dois países, quando nos unem laços históricos e afetivos tão fortes e tantos interesses comuns?

E ainda, como justificar a incompreensível falta de ambição nas políticas de cooperação para o desenvolvimento onde estamos a perder terreno para outros países, e na CPLP, onde estivemos mais de um ano sem embaixador?

O Governo quase reduziu a política externa à obsessão pela receita, perdeu ambição e foi incapaz de definir uma estratégia sólida e coerente. Paulo Portas secou o ministério e Rui Machete desapareceu em funções, reaparecendo esporadicamente quando comete alguma gaffe.

Portugal, com o magnífico legado que ao longo de séculos foi deixando como âncoras, que nos trouxeram aliados em todos os continentes, merece muito mais do que esta astenia a que foi reduzida a nossa política externa. Merece que um novo Governo liderado por António Costa devolva ambição à política externa e esperança às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.

Deputado do PS

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