Uma (o)posição de princípio

Uma atitude séria e de respeito pelos eleitores por banda da coligação não demanda apenas uma posição de princípio: exige também uma oposição de princípio.

1. É plausível que a aliança entre o Partido Socialista e as esquerdas radicais extremistas acabe por chegar ao Governo. Como se intui do teor do comunicado de ontem da Presidência da República, um tal Governo só tem garantida até agora, a confiar nos acordos frustres a que chamam “posições conjuntas”, uma agenda despesista, redutora da receita e altamente incrementadora da despesa. Em nenhum ponto se detecta ou desvenda qualquer medida compensatória daquela agenda despesista. O PS afiança, com as mãos e os pés juntos, que cumprirá todos os compromissos europeus, aí incluídas as metas do défice e da dívida. Não explica como o fará. Ou, no mínimo, ainda não explicou como conciliará e compatibilizará aquele substancial aumento da despesa com a promessa de adimplemento pontual das metas europeias. E muito menos explica quem vai apoiar em termos parlamentares as tais medidas compensatórias desse aumento substancial da despesa. Não constando tal matéria das ditas “posições conjuntas”, parece poder legitimamente inferir-se que as partes não foram capazes de encontrar um ponto de acordo ou uma posição comum. Eis aqui o principal mistério da novel fórmula governativa, um mistério aparentemente insondável.

2. Para lá desta evidente fragilidade económico-financeira, a nova solução governativa vai também revelar-se precária no terreno puro e duro dos temas políticos, agora que a agenda europeia finalmente se afirmou como política. A crise dos refugiados e o desafio que ela lança ao sistema Schengen e à liberdade de circulação bem como a negociação subjacente ao referendo britânico sobre a manutenção na UE já haviam mostrado que as questões europeias estavam longe de se esgotar numa pauta económica e financeira (ao contrário do que muitos pensavam durante o período mais turbulento da crise das dívidas soberanas). Mas a emergência da onda terrorista e a necessidade de lhe responder por via militar e policial e quiçá por via de uma revisão da política de fronteiras vieram pôr a política “pura e dura” no coração do debate europeu. E a despeito da condenação unânime dos atentados terroristas, a extrema-esquerda não resiste à tentação da explicação e compreensão destes actos de barbárie e recorre invariavelmente à teoria do pecado original do Ocidente. Esta atitude vai inevitavelmente chocar com a posição que um Governo minoritário PS terá de tomar nos fóruns europeus e que – confio – será uma atitude genuína e convicta e não um posicionamento cínico de conveniência. Basta pensar que a resposta francesa, seja em termos de restrição interna das liberdades, seja em termos de actuação bélica externa, vem de um Governo socialista militante para logo perceber que o PS não deverá distanciar-se muito desse padrão de referência. Ora, a complacência das esquerdas radicais e a sua pródiga compreensão “sociológica” dos fenómenos terroristas vão, em sede de medidas políticas, acabar por chocar e conflituar com a doutrina de um Governo que alinhe com uma agenda europeia de combate sem quartel ao terrorismo. Mais uma área, portanto, em que o Governo minoritário do PS estará desabrigado do apoio intermitente que a extrema-esquerda lhe dedica na tríade de “posições conjuntas”. Não foi decerto por acaso ou por descaso que o Presidente incluiu nas matérias carecidas de esclarecimento o respeito pelos compromissos internacionais em organizações de defesa colectiva…

3. Atentas estas fragilidades ostensivas, que se manterão mesmo que as denominadas “posições conjuntas” sejam reforçadas com as garantias pedidas pelo Presidente, é importante fazer doutrina sobre a posição que o PSD e o CDS devem adoptar. Quando falhe o apoio das esquerdas radicais ou de alguma delas, devem os partidos da coligação colmatar e suprir esse apoio? Ou devem reservar-se a uma posição de princípio que seja de oposição?

4. O PSD e o CDS devem deixar claro que a sua posição de princípio é a de que são oposição e de que vão actuar em conformidade. Isto sem prejuízo de uma avaliação de cada situação em função das concretas circunstâncias que a rodeiem – ponto que aliás foi ressalvado por Pedro Passos Coelho na sua última entrevista televisiva. Se a posição de princípio é a de fazer uma oposição firme e consequente, não faltará decerto quem logo venha acusar os partidos da coligação de incoerência e incongruência quando votem contra propostas que, por exemplo, tenham como único desiderato garantir o cumprimento das metas europeias. Perguntarão decerto como é que partidos que mostram sempre tanta preocupação com o respeito pelos compromissos europeus estão disponíveis para votar contra medidas que supostamente visam atingi-los? Esta possível objecção está francamente mal posta e falha o essencial. Como acima se sublinhou, o PS e a extrema-esquerda optaram por um consenso mínimo apenas atinente a um leque de medidas que aumentam a despesa e diminuem a receita. E naturalmente – por melhor que corra o tão imaginado surto de crescimento e para cumprir as nossas obrigações europeias – o plausível Governo PS vai ter de propor um cabaz de medidas compensatórias que equilibrem aquele défice. E nessa altura, não vai contar com o apoio da esquerda radical, que só assentiu na feitura de despesa. Ora, o PSD e o CDS não têm nesse caso qualquer obrigação de apoiar o Governo minoritário do PS. As medidas de compensação só são necessárias porque o PS optou por uma política despesista, indutora do consumo. Essa opção política é que exige e reclama medidas compensatórias: aprová-las seria, agora sim, uma incongruência. Seria, no fundo, apoiar as medidas despesistas e irresponsáveis que estão na sua origem e que as justificam. O PS não pode separar as duas faces da moeda da má política e não pode querer chuva na eira e sol no nabal. Uma atitude séria e de respeito pelos eleitores por banda da coligação não demanda apenas uma posição de princípio: exige também uma oposição de princípio.

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