Um sonho e três centros

Em Portugal o centro político deixou de existir, a crise fragmentou-o. Hoje temos três centros políticos os quais serão fundamentais para dar a vitória a um partido ou candidato nas próximas eleições.

Paul Mason escrevia recentemente no The Guardian que a política no Reino Unido deixou de ser um combate pelo centro político opondo duas visões, a conservadora e a trabalhista. Para Mason o centro que se quer conquistar já não é feito a partir de uma classe média alargada e das suas diferentes características, mas sim por diferentes imaginários partilhados.

A análise de Mason pode ter razão de ser para as eleições no Reino Unido mas terá aplicabilidade para Portugal? Sejamos claros, as eleições têm sempre a tendência para serem pensadas como ganhando-se de duas formas. A primeira é apelando ao voto contra quem está no poder (ou aparenta estar próximo do poder que estava). Para tal, aposta-se na expectativa de continuar a oferecer futura mobilidade social para os actuais ou futuros filhos e netos dos eleitores – o que obviamente implica oferecer mais emprego e melhor emprego aos eleitores de hoje e a proposta de uma nova rotina.

A segunda é demonstrando que quem desafia (ou aparenta poder vir a desafiar) não tem nem credibilidade nem os requisitos para fazer melhor, ou igual, ao que tem vindo a ser feito por quem ganhou o poder nas últimas eleições. Para tal, é necessário relembrar, próximo dos períodos eleitorais, o que se fez, a dificuldade de o ter feito e a valorização da rotina já adquirida.

As próximas eleições em Portugal irão ocorrer num contexto único na história recente, único não apenas pela crise já vivida mas também pela incredulidade no seu fim imediato. No entanto, se a crise tem vindo a tocar quase toda a população portuguesa, também há um sonho comum à maioria dos portugueses e que pode ser descrito como: querer um país mais próspero, com redução das desigualdades e mobilidade social para si e para os seus.

O sonho é comum mas o centro já não é o que era. Há hoje novos centros políticos e já não apenas um único centro político na sociedade portuguesa. Daí, que tenhamos que perguntar quem são os portugueses que compõem hoje os diferentes centros políticos e que podem conferir a vitória eleitoral a um partido ou candidato?

O primeiro centro é o ocupado pelos “reformados providência”, ou seja, aqueles reformados que têm de assegurar as despesas dos filhos e dos netos com as suas reformas. Estes “reformados providência” são aqueles que substituíram o Estado Social apoiando os seus familiares mais directos. Quando o Estado retirou o pagamento de subsídios de desemprego aos seus filhos ou quando o Estado cortou dois meses de salários àqueles que têm filhos funcionários públicos, foram estes pais reformados que assumiram o que era antes responsabilidade da Segurança Social ou do Estado enquanto empregador.

Estes “reformados providência” passaram a sustentar filhos e netos para que estes mantivessem o nível de vida que tinham antes da crise apesar da diminuição de rendimentos e da manutenção das responsabilidades com casas, créditos ou escolas.

Os “reformados providência” e as suas famílias alargadas têm ainda esperança de deixar de fazer parte “dos com menos rendimentos e riqueza” e regressarem a uma normalidade perdida há quase sete anos. E mobilizar-se-á tanto pelo receio de que “as coisas podem piorar” como pela promessa de uma mudança na sua rotina para melhor.

Este grupo, tal como qualquer um dos dois seguintes, é fulcral para a vitória ou para a derrota em disputa eleitoral, pois serão os votos destes reformados e dos seus familiares que, abstendo-se ou votando, darão o benefício da dúvida aos desafiantes ou ao actual poder.

O segundo centro político é hoje ocupado por uma multidão de “criadores precários”. Estes são a maioria dos trabalhadores independentes ou empresários em nome individual e que vivem mensalmente o dilema de saber se os rendimentos do seu trabalho chegam ou não para pagar impostos e segurança social.

Estes “criadores precários”, que tanto são pequenos comerciantes, como jornalistas freelancer ou técnicos (licenciados ou não), não conseguem gerar rendimentos líquidos mensais porque em muitos meses têm de pagar mais impostos do que os rendimentos auferidos.

Os “criadores precários” trabalham por conta própria, raras vezes têm acesso ao crédito bancário, pagam valores fixos à segurança social, sem relação com o que se ganhou no mês, gerem a sua vida de forma desligada dos futuros reembolsos do IRS ou IRC e questionam-se sempre “como tudo estará” no próximo mês.

Os “criadores precários” são vítimas de um modelo de impostos desactualizado, o qual assume a inexistência de precaridade generalizada no trabalho ou que se poderia ser empresário em nome individual sem outros assalariados que não o próprio. Os “criadores precários” fazem efectivamente contas sobre se vale mais a pena ficar em casa ou trabalhar porque, por vezes, trabalhar pode não compensar face ao dinheiro que se tem de pagar para "poderem trabalhar".

O que os “criadores precários” pedem é uma reforma fiscal feita à luz da realidade actual das pessoas e não das grandes empresas ou feita apenas para os funcionários públicos ou trabalhadores do privado com contrato sem termo.

O terceiro, e último, centro político é ocupado por todas aquelas famílias que, na sua multiplicidade de formas, viveram os últimos sete anos procurando manter o rendimento auferido e as despesas assumidas, mesmo tendo tido que optar pela emigração de um dos cônjuges. Este centro político é o da “classe média móvel”, ou seja, a classe média que sabe pertencer a esse grupo social e que está disposta a diferentes sacrifícios com o objectivo de tentar manter-se no escalão de rendimentos que auferia antes da crise.

Para este “centro” o importante é a redução das desigualdades entre si e os 1% que ocupam o topo da pirâmide de rendimentos, mas também face aos que se encontram imediatamente abaixo de si. Não se trata de altruísmo, mas sim do facto de saberem que podem vir a sofrer um downgrade da sua posição social e preferirem lutar por uma melhoria assistencial para salvaguardar o seu futuro, caso venham a sofrer de mobilidade social descendente para si ou para os seus filhos.

A “classe média móvel” emigrou pendularmente para assegurar emprego e impedir as perdas de rendimento ou conseguiu manter o seu posto de trabalho à custa de mais horas de trabalho e da acumulação de funções, agora que muitos dos seus colegas foram despedidos e os seus postos extintos.

A “classe média móvel” ouviria com agrado Piketty a defender que os impostos incidissem menos sobre os seus rendimentos do trabalho e sobre as suas casas e mais sobre outros impostos, que não os de consumo.

Este é o centro que sabe que até quase metade do seu rendimento, quando auferido em Portugal, é para impostos e que, em cima disso, tem juros de empréstimos da casa e IMI para pagar. Este é o “centro” que sabe também que as empresas, em particular as grandes e cotadas, pagam quantias irrisórias de impostos e que, quando lhes baixam o IRC, remuneram accionistas mas não contratam mais pessoas nem aumentam os salários.

Daí, que seja este o “centro político” que anseia ouvir alguém dizer que a sobretaxa vai acabar e que o IMI vai passar apenas a incidir sobre o valor líquido do imóvel, isto é, subtraído o valor do empréstimo contraído pela família – para que quem tem casas de um milhão de euros pague mais IMI e quem tem casas de 200 mil euros, e um empréstimo, pague bem menos. 

E o que esperam estes três “centros” das eleições? Partidos e candidatos a Presidentes que sejam mais justos para si, que combatam as desigualdades e que, acima de tudo, percebam que se a realidade social mudou então as políticas também têm de mudar.

A dúvida, a ser em breve desvendada, é que estratégia face a estes centros políticos assumirão os partidos portugueses, os candidatos a primeiro-ministro e a Presidente da República?

Farão política as usual ou procurarão ir ao encontro dos problemas que impedem os diferentes centros políticos da sociedade portuguesa de concretizar o seu sonho de uma vida melhor?

Professor do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris
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