Um partido à procura de outra vida

Havia uma massa de eleitores a quem o PS não chegava, fruto do seu centralismo de decisão ou da ausência de participação solicitada.

Os últimos meses mostram um Partido Socialista franzino, desorganizado e distante dos eleitores. Não tivesse havido a possibilidade de se discutir, a sério, a sua liderança, e poucos teriam constatado esta realidade dura.

Provavelmente o PS poderia ganhar as próximas eleições, mas o país desconheceria as grandes fragilidades que estão hoje à vista. Há três áreas a que importa dar atenção – as tábuas, os pregos e a cola. Explico.

As tábuas de um partido são os seus militantes, os seus simpatizantes e os seus votantes. O que os mais recentes acontecimentos nos dizem é que dois terços dos militantes do partido não se mobilizaram para as eleições internas distritais. Mesmo havendo, como há muito não se via, mais do que uma lista, o número de inscritos com quotas em dia foi muito reduzido. Esta realidade é preocupante e demonstra afastamento.

Ao mesmo tempo, esta contenda provocou o recenseamento de um número de simpatizantes que se aproxima do dobro dos inscritos no PS. Quer isso dizer que há, havia, uma massa de eleitores a quem o PS não chegava, fruto do seu centralismo de decisão ou da ausência de participação solicitada.

Ainda o todo dos votantes. Esta campanha interna trouxe, de novo, os votantes do PS para a discussão. E isso terá sido duro em alguns momentos, mas é potenciador de mobilização para o futuro. O PS esteve no centro da agenda política e isso tem, terá, consequências positivas.

Os pregos são as estruturas e os dirigentes do PS, da JS, do Departamento de Mulheres Socialistas e da Tendência Sindical. O que se constatou, e que estava escondido ou bastante dissimulado, foi a existência de uma quase negação de discussão aberta e genuína, um enquistamento do debate em muitas concelhias e federações. A esta realidade, juntamos a burocratização dos órgãos nacionais e a complexidade do grupo parlamentar.

A passagem de uma situação de quase clandestinidade na gestão interna do partido para uma exposição pública abre uma nova etapa e obrigará, por bastante tempo, os órgãos a regressar ao debate, à solicitação da mobilização e ao encontro de novas formas de saltar as paredes das sedes partidárias.

Há ainda a cola. A cola de um partido é a sua base ideológica. Todos os que votam habitualmente no PS situam as grandes questões das liberdades como primado da ação política e uma trilogia de compromissos clássicos, que assume a escola como espaço de igualdade de oportunidades, a saúde universal como garante de uma vida com mais qualidade; e as pensões a os apoios sociais como equilibradores da justiça e eliminação da pobreza.

Acontece que o PS não discutiu, de molde a uma conclusão integradora, as formas de garantir este seu património com a assunção de contas públicas rigorosas. E essa questão não é menor. É por isso que a “cola programática” que estava presente no contrato de confiança não se afirmou bastante para juntar mais vontades e mais apoios aos que já estavam na linha de partida, abrindo portas uma governação estável e forte.

Os recentes meses de debate trouxeram ao PS centena e meia de novos aderentes voluntários. O que fazer com eles?

Essa não é uma questão menor. Importa que se abra, no PS, um novo tempo de organização interna. Subsumir o departamento da organização para dar lugar a três áreas de mobilização. Olhar a estrutura permanente renovando métodos e incorporando transparência; olhar a informação, a formação e a resposta aos militantes e simpatizantes como força motriz de um novo movimento político; refazer a estrutura de estudos e a Fundação Rés Pública autorizando e valorizando novas ideias e novas propostas e provocando a discussão sem tabus. Fazendo, afinal, o que muitos partidos, por essa Europa, já fazem há muito e com vantagem.

António Costa tem um imenso trabalho a fazer até ao final do ano. E os dias já estão a escassear.

Gestor e apoiante de António Costa, secretário nacional do PS entre 2004 e 2010

Sugerir correcção
Ler 2 comentários