Um Novo Provincianismo ?

O novo provincianismo já não é um conceito radicado na geografia. É uma atitude de subdesenvolvimento intelectual e cultural de alguns, que limita o progresso de quase todos.

Uma nova forma de provincianismo parece corroer o país, menorizando a inteligência coletiva, limitando a criatividade nacional, diminuindo a qualidade da política e desperdiçando o potencial de milhões de portugueses. Vejamos como.

O conceito de provincianismo evoluiu com o tempo. No passado registava-se um fosso de conhecimento e de maturação cultural e social entre as principais cidades, designadamente Lisboa, e grande parte do território nacional. No interior os acessos eram difíceis e lentos. As telecomunicações eram básicas. A deficiente mobilidade física e o relativo isolamento limitavam uma parte dos portugueses no seu contacto com a modernidade, a cultura contemporânea, o conhecimento e o mundo. Em comparação, Lisboa personificava um maior cosmopolitismo. Grande parte do país era, nessa perspetiva, literal e metaforicamente “provinciana”.

Atualmente, a generalidade do país dispõe de uma profusa rede de estradas e autoestradas. As telecomunicações são boas e omnipresentes. A televisão leva a locais recônditos as mesmas notícias e a mesma oferta cultural que entra nos lares das principais cidades. Em quase todos os locais a internet coloca empresários, profissionais e jovens em contacto instantâneo com o mundo. Podem aceder à mesma reportagem da CNN que o Presidente dos Estados Unidos está a ver. A livraria mais próxima pode situar-se a dezenas de quilómetros mas o morador de uma aldeia pode encomendar online, da Amazon, um livro de vanguarda que nem a melhor livraria de Lisboa possui, que lhe é entregue em casa em alguns dias, vindo de um outro país. O pastor usa o telemóvel. O cidadão de áreas outrora isoladas tem uma acessibilidade impensável no passado. E, agora, está ligado ao mundo. Hoje, o cosmopolitismo, o conhecimento e a sofisticação cultural tendem a ser gradualmente independentes da localização. Mas o “provincianismo” não desapareceu. Contudo, o atual provincianismo já não é geográfico. Agora passou a ser uma mentalidade, uma atitude. Um outro atraso.

Ostentação e sofisticação são conceitos distintos. A mediatização da irrelevância, o fascínio do aparato e a arrogância do poder são demonstrações de subdesenvolvimento cultural, um novo provincianismo.

Enquanto a rica Sintra, com uma população tripla da de Coimbra, continuou a ser uma vila, por todo o país pequenas povoações designaram-se como cidades, como se o importante não fosse tanto a qualidade de vida como os rótulos de estatuto. Países muito ricos e eficientes como a Noruega quase não dispõem de autoestradas enquanto o relativamente pobre Portugal as possui em exagero. Contudo, a extensão da Noruega é superior à distância entre Lisboa e Paris. Os noruegueses possuem riqueza que não esbanjam e que concentram no que é mais relevante para os cidadãos, acautelando o futuro das próximas gerações. É a modernidade evoluída. No nosso país esbanjaram-se fortunas exorbitantes para construir desnecessários estádios de futebol com o pretexto de acolher dois jogos num campeonato europeu que durou três semanas. Muitos outros exemplos sublinhariam a superficialidade com que muito se faz e decide em Portugal, privilegiando aparato em detrimento da substância, promovendo interesses em lugar de méritos.

Figuras públicas produzem frequentemente intervenções com indevida sobranceria perante os cidadãos, parecendo desprezar a inteligência dos portugueses, numa democracia e num país que, verdadeiramente, pertencem a estes.

Vivemos o culto do aparato de alguns que, mesmo quando involuntariamente, subalternizam a substância e a criatividade de uma nação. Só num país com algum provincianismo se cultiva o conceito de “personalidade”. Uma “personalidade” profere uma inócua banalidade de manhã, com deslumbramento ela é destacada nos noticiários do dia como se Deus tivesse revelado mais uma Tábua dos Mandamentos.

Em Portugal tende-se a considerar como “personalidades” alguns que, geralmente por fortuitas coincidências de percurso, se tornaram publicamente conhecidos. Contudo, Portugal tem provavelmente dezenas de milhares de cidadãos com um potencial muito maior, que ninguém ouve porque o acaso não os inseriu no estrito leque de “personalidades” conhecidas. Muitos desses cidadãos de elevado potencial são pretendidos noutros países, ouvidos por governos estrangeiros e consultados por empresas transnacionais, e integram prestigiadas organizações internacionais. Mas em Portugal parecem não existir. É um erro.

Portugal tem muitos cidadãos extremamente capazes para reinventar o país e o futuro. Não, o maior potencial inaproveitado de Portugal não é o mar ou o turismo, é o seu enorme capital humano desvalorizado. O resultado é este país frágil, sem rasgo estratégico, sem coragem nem imaginação para mudar, sem autoestima. Um país sem visão brilhante de futuro e, por isso, sem esperança.

O país é prejudicado pelo culto de “personalidades”. O novo provincianismo já não é um conceito radicado na geografia. É uma atitude de subdesenvolvimento intelectual e cultural de alguns, que limita o progresso de quase todos.

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