Novo Conselho de Estado é "um manual da história política de Portugal"

Um antigo ministro de Salazar, um combatente anti-fascista e dois fundadores de partidos. Ainda que seja um órgão consultivo, que relevância pode ter a nova composição do Conselho do Estado, no actual quadro político português?

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Bloco está pela primeira vez no Conselho de Estado Enric Vives-Rubio

“Este Conselho de Estado será o mais representativo da diversidade política da democracia portuguesa até hoje”. A frase é do politólogo António Costa Pinto. Não é o único a atribuir um significado à nova composição do órgão consultivo marcada pelo regresso do PCP e pela chegada do Bloco de Esquerda.

“É muito relevante que pela primeira vez todas estas cinco famílias [PSD, CDS, PS, PCP, BE] estejam representadas no Conselho de Estado. É simbólico, mas representativo”, diz o historiador Manuel Loff. O politólogo José Adelino Maltez afirma: “Simbolicamente pode estar a atribuir-se um novo papel ao Conselho de Estado.”

Carlos César, presidente e líder parlamentar do PS; Domingos Abrantes, histórico do PCP e Francisco Louçã, antigo líder do BE, foram eleitos nesta sexta-feira para o Conselho de Estado, por 116 deputados. A lista do PSD e CDS, com o fundador do PSD Francisco Pinto Balsemão (que se mantém no órgão) e Adriano Moreira, antigo líder do CDS, teve 104 votos a favor. Com listas separadas, os socialistas cederam um nome ao PCP e outro ao BE; PSD permitiu ao CDS indicar um candidato. Isto significa o regresso do PCP – durante o mandato do actual Chefe de Estado Cavaco Silva não esteve representado – e que o BE está pela primeira vez no órgão.

O Conselho de Estado tem mais membros: além das inerências, cada Presidente indica cinco nomes à sua escolha. Pronuncia-se, por exemplo, sobre a dissolução da AR; sobre a demissão do Governo. Aconselha o Chefe de Estado sempre que este solicita.

Manuel Loff reconhece que “é um órgão simbólico, não está no centro das tomadas de decisão”, mas realça: “É muito relevante que, pela primeira vez, todas estas cinco famílias estejam representadas. É simbólico, mas representativo.”

Uma alteração que reflecte o novo Parlamento, uma consequência do acordo à esquerda. “É um novo ciclo político”, diz Loff, realçando ainda o facto de a actividade política de vários dos eleitos ter começado antes do 25 de Abril. Como diz Adelino Maltez: “[Os nomes] são um manual da história política de Portugal”. Refere-se por exemplo aos percursos de Adriano Moreira (ministro no Estado Novo) e do comunista Domingos Abrantes, remontam “ao salazarismo e à Guerra Fria”.

Um novo papel?
Adelino Maltez frisa que Cavaco “reduziu” este órgão a “reuniões obrigatórias”, “deixou de haver uma ideia de Conselho de Estado mais interventivo”. Apesar de esta composição ser “puramente” simbólica, “porque o Conselho de Estado depende do que o Presidente da República (PR) quiser fazer dele”, pode ser um sinal diferente: “Simbolicamente pode estar-se a atribuir um novo papel ao Conselho de Estado.”

Também Costa Pinto recorda que, por exemplo, antes de anunciar a decisão sobre o actual Governo, Cavaco não ouviu o Conselho de Estado: “Nem se deu ao trabalho.” Mas o novo cenário político poderá dar mais relevância ao órgão, diz: “Tendo em vista a conjuntura de polarização, é provável que possa ter um papel mais activo junto do PR.”

Concorda que “a importância e a funcionalidade” vão “depender muito da prática, da iniciativa do novo PR”. Esta “composição divergente em termos ideológicos do Conselho de Estado não altera no fundamental” o exercício da política no concreto. É a “iniciativa do PR de o utilizar mais ou menos” que fará a diferença, diz o politólogo.

“O Conselho de Estado é mais importante para quem é nomeado do que enquanto órgão propriamente dito. Portugal não tem um senado, para o Conselho de Estado são seleccionados os notáveis, os senadores”, acrescenta.

Isto não significa, porém, que a nova composição seja irrelevante: “Tem simbologia política, claro. É importante”. Significa, frisa, “que os partidos políticos com representação parlamentar, mesmo os considerados de protesto, estão plenamente integrados nas instituições da democracia portuguesa.”

Para Costa Pinto, “interessante” é a chegada do Bloco. “É mais um passo da consolidação do BE como partido da democracia portuguesa integrado nas suas instituições, e o Conselho de Estado é uma delas.”
 

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