Um futuro de dúvidas

E se houvesse primárias no PSD, Passos seria o candidato?

 Vale a pena voltar à interessante entrevista de Carlos Abreu Amorim que publicámos este domingo. Aí, recorde-se, o deputado do PSD, coordenador da bancada "laranja" na comissão de inquérito parlamentar ao caso BES, revela que já não é um liberal e que as suas convicções foram profundamente abaladas pela crise, “sobretudo neste mês muito intenso” de participação naquela comissão. Abreu Amorim não é uma personalidade qualquer dentro do universo do PSD. Embora não seja militante, foi convidado por Passos Coelho para número um da lista do distrito de Viana do Castelo às legislativas, cabeça de lista da coligação PSD-CDS à Câmara de Gaia nas últimas autárquicas e é cada vez mais influente dentro do maior partido do Governo, como atesta o cargo que ocupa na comissão de inquérito à gestão do BES/GES. Recordar este percurso é tão importante, como assinalar a mudança ideológica de Abreu Amorim.

Se o deputado mudou, como é absolutamente legítimo, o líder do PSD não mudou, como também é perfeitamente legítimo. Pelo contrário, tudo indica que a opção pela austeridade continuará a ser a sua imagem de marca e a desregulação do Estado o arremedo de uma reforma que este Governo prometeu, mas que foi incapaz de concretizar. É certo, como bem refere Abreu Amorim na citada entrevista, que o “PSD é um partido de banda larga (…). Tem espaço para opiniões bastante à esquerda, para sociais-democratas, para opiniões sem ideologia nenhuma e para opiniões liberais, mais à direita, (…)”. Mas também não é menos verdade que o partido maioritário do Governo tem um eleitorado assente na classe média, uma “banda larga” de cidadãos que vivem exclusivamente do rendimento do seu trabalho ou das suas pensões. Ora foi justamente este o sector mais fustigado pelas medidas adoptadas pelo actual executivo, que não pode apenas refugiar-se no programa negociado com os credores, pois foi o próprio Passos Coelho a sublinhar o facto de ter actuado para “além da troika”. Como mostram as sondagens, esse eleitorado também mudou de opinião e está em fuga para outras paragens, diminuindo drasticamente qualquer hipótese de o PSD ganhar as próximas eleições. E aqui entra a questão das primárias. Se o partido "laranja" já tivesse adoptado as primárias para escolher o seu candidato a primeiro-ministro, a exemplo do que fez o PS, Passos Coelho estaria em maus lençóis. O universo de eleitores estender-se-ia muito para além da mera militância partidária, sempre susceptível de ceder às pressões do aparelho, alargando-se a milhares de simpatizantes guiados apenas pela defesa dos seus próprios interesses. Depois, é preciso não esquecer, Passos foi, desde o início, muito contestado dentro e fora do PSD pelo absoluto divórcio entre o que prometeu na campanha e o que fez quando chegou ao poder. A começar pelo aumento de impostos. Este caldo de cultura e um candidato forte minariam as suas hipóteses de chegar a uma candidatura. Mas, se o mundo está a mudar, se o PS mudou, se um assumido liberal deixou de o ser, o PSD de Passos ainda vai chegar na mesma às legislativas. Ver-se-á com que resultados.

 

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