Um ano de polémicas resolvidas quase sem saídas

Em 2016, várias foram as polémicas que atravessaram o Governo, cada qual resolvida de sua maneira. Apenas uma levou a demissões. Um ano depois, como gere Costa o Governo?

Foto
António Costa só não tem o Governo mais resistente a quedas em democracia porque houve Cavaco Silva e Passos Coelho que demoraram o mais que puderam a remodelar as suas equipas Sergio Azenha

O ano de 2016 foi o primeiro inteiro da nova solução de Governo que junta a esquerda no mesmo barco. Foram diversas as tormentas relacionadas com políticas públicas, com a aprovação de dois orçamentos do Estado pelo meio, mas também várias as controvérsias pelas quais passaram sem deixar virar a embarcação. A equipa de Costa resistiu quase intacta às diferentes peripécias: só um ministro e dois secretários de Estado “caíram ao mar” — e apenas um deles vítima de uma polémica. O que o explica?

Esta resistência do Governo actual, apesar das polémicas, não passou sem feridas. “Houve consequências de imagem, mas não políticas”, diz Pedro Adão e Silva quando questionado sobre a maneira como António Costa tem lidado com as diferentes polémicas. E já houve meia-dúzia delas. 

Desde que António Costa tomou posse, em Novembro de 2015, já teve de lidar com vários casos que têm mais a ver com a ética e comportamento dos ministros do que com as suas decisões e políticas. Um deles levou, inclusivamente, o Governo a aprovar um código de conduta. Primeiro foi a ameaça de “bofetadas” do então ministro da Cultura, João Soares, a dois colunistas do PÚBLICO. Depois, surgiu o caso de Diogo Lacerda Machado, um amigo de António Costa que o estava a ajudar informalmente em várias negociações, sem contrato. Já durante o mês de Agosto, soube-se que três secretários de Estado tinham ido a França ver jogos de Portugal no Euro 2016 a convite da Galp. Mas as polémicas não ficaram por aqui. Em Novembro, o Observador contava os casos de adjuntos do Governo com declarações de falsas licenciaturas. E o maior de todos, que se arrastou desde o Verão: o salário e a excepção dada à administração da CGD no que toca a obrigações de transparência pública.

Apesar destas polémicas, o executivo teve apenas uma baixa: João Soares. Aliás, no Governo de António Costa só este ministro, a sua secretária de Estado (que caiu automaticamente) e o secretário de Estado da Juventude e Desporto (que se incompatibilizou com o ministro da Educação), foram remodelados.

“O Governo beneficia da circunstância de ter o silêncio dos sindicatos e dos partidos de esquerda, tradicionalmente bem organizados na e para a contestação popular, o que acaba por lhe conferir mais espaço de manobra do que o comum. Isso não significa que não haja oposição popular ou crítica pública, mas tão só que do ponto de vista mediático, na ausência daquela oposição, se aparenta uma paz social”, diz ao PÚBLICO Adolfo Mesquita Nunes. 

Para o centrista, Costa tem gerido desta forma as polémicas porque pode. Ou seja, “essa margem de manobra tem sido utilizada pelo Governo, de uma forma que outros governos não puderam usar. Porque a tem, usa-a. E tem-na porque PCP e BE a isso estão dispostos”, conclui.

Contudo, Adão e Silva nota que estes casos, que se prendem mais com a ética e actuação dos agentes, têm um efeito mais nefasto no PS uma vez que é o partido que tem um ex-líder "envolvido num processo" judicial complexo. "Todos estes casos servem sempre para reforçar que a marca de que o PS tem um problema com o exercício do poder. É mais preocupante e tem mais efeito negativo no PS do que noutros partidos, sendo o partido igual". Não significa com isto que o problema esteja no "padrão na explicação", mas sim no facto de o partido ter assim "um desconfouto sempre na gestão destes temas", acrescenta.

Em todos os casos, o primeiro-ministro fez questão de deixar a polémica rolar durante algum tempo, "uma parte é explicada porque António Costa tem aquela atitude genérica, no lugar de enfrentar os obstáculos prefere contorná-los e nem sempre é possível. Talvez no caso da CGD isso tenha acontecido", analisa o comentador e professor no ISCTE, Pedro Adão e Silva.

António Costa só não tem o Governo mais resistente a quedas em democracia porque houve Cavaco Silva e Passos Coelho que demoraram o mais que puderam a remodelar as suas equipas, independentemente da pressão pública. No primeiro governo de cavaquista não houve um único ministro a sair e no segundo (primeiro de maioria absoluta), um ano depois da posse ainda eram os mesmos titulares. As mexidas, aliás, só foram mais fortes a um ano de revalidar a maioria absoluta. 

Mais recentemente, Pedro Passos Coelho demorou quase dois anos a deixar cair Miguel Relvas, o primeiro a sair, alegando motivos pessoais, mas debaixo de uma forte polémica por causa da licenciatura. 

Sugerir correcção
Comentar