Tribunal Constitucional responde com unanimidade a um ano de pressões

O Palácio Ratton foi erigido como uma espécie de força de bloqueio do século XXI.

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Joaquim Sousa Ribeiro, presidente do Tribunal Constitucional Enric Vives-Rubio

Foi com um acórdão unânime dos seus 13 juízes-conselheiros sobre a convergência das pensões do sector público e privado que o Tribunal Constitucional (TC) respondeu a um ano de inusitadas pressões.

Internas, da maioria governamental e das oposições. E externas: do presidente da Comissão Europeia à directora-geral do Fundo Monetário Internacional.

Na noite de 19 de Dezembro, o Palácio Ratton foi o palco de um acto de afirmação de independência. Não só os juízes explicaram aos seus concidadãos o que é o princípio da protecção de confiança, como lhes indicaram que têm direitos para além das políticas de ajustamento. Já tinham feito o mesmo, em anteriores acórdãos, divulgando a existência dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Este labor de divulgação do acervo de direitos em tempo de exclusividade de deveres, como é qualquer época de austeridade, traduz com fidelidade a função do TC. Um órgão de soberania com poderes fiscalizadores relativos a actos do Estado. Razão pela qual os reparos sobre a existência do próprio tribunal pronunciados neste último ano não foram inocentes. Traduzem o desconforto de quem descobre, para além de um Presidente, um governo e uma maioria, a existência de um sistema de equilíbrios do sistema político que limita a sua margem de manobra. No momento mais negro da campanha, foi passada a mensagem, errónea, de que os juízes-conselheiros advogavam em causa própria porque eram… funcionários públicos.

O Palácio Ratton foi erigido numa espécie de força de bloqueio do século XXI. O chumbo do TC ao corte de pensões no sector público, anunciado a 19, foi antecedido de sonoros alertas: a troika não avançará com a nova tranche de 2,7 mil milhões de euros, adiando o cumprimento da 10.ª avaliação.

Não foi atitude nova. “Os riscos de novas decisões negativas por parte do TC não podem ser colocadas de parte e podem tornar os planos do Governo de garantir um acesso total aos mercados em meados de 2014 significativamente desafiantes”, já dissera a Comissão Europeia aquando das 8.ª e 9.ª avaliações. Antigos presidentes – Mário Soares e Jorge Sampaio –, a oposição e alguns comentadores criticaram a notável ingerência.

“É óbvio que Portugal tem de fazer um esforço como Estado, não se pode pedir apenas a responsabilidade do Governo, é responsabilidade de todos os órgãos de soberania e da sociedade no seu conjunto”, avisara Durão Barroso no discurso do “caldo entornado”. Estas e outras pressões não tiveram o efeito pretendido. Como falhou a adscrição cega dos juízes-conselheiros eleitos pelo Parlamento aos sectores de onde provinham. O acórdão de 5 de Abril sobre nove normas do Orçamento do Estado (OE) de 2013 não respeitou os blocos partidários. A inconstitucionalidade do corte de subsídios de férias na função pública, do subsídio de férias dos pensionistas, dos cortes nos subsídios de desemprego e doença foi decretada por votações cruzadas.

Naquele acórdão, aliás, o mesmo cruzamento de votos permitiu a passagem de decisões de sentido contrário: a sobretaxa do IRS e a contribuição extraordinária sobre pensões. Duas das medidas mais polémicas do OE foram apreciadas por ângulos alheios à origem partidária.

O mesmo tribunal que validou o regime de 40 horas semanais para a função pública foi o que declarou a inconstitucionalidade de seis das 15 normas de alteração ao Código do Trabalho. Se foram chumbadas as normas relativas ao despedimento por extinção do posto de trabalho e por inadaptação do trabalhador, já passaram o crivo a eliminação dos feriados e a criação do banco de horas.

É verdade que o TC chumbou, em 29 de Agosto, uma medida estrela proposta pelo Governo: o regime jurídico de requalificação dos funcionários públicos que, na prática, permitia o despedimento dos trabalhadores ao fim de 12 meses em regime de mobilidade. Mas deu luz verde aos propósitos dos partidos da maioria e do PCP de permitir as candidaturas a outros municípios dos autarcas – presidentes de câmaras ou de juntas de freguesia – que já tivessem cumprido três mandatos noutras autarquias. Os juízes-conselheiros consideraram que a limitação era apenas territorial, numa interpretação bem distante do sentimento maioritário na opinião pública.

São exemplos de um ano de intervenção do Tribunal Constitucional que só o guindou para as primeiras páginas por exercer a sua função constitucional. Uma notoriedade que adveio dos falhanços do Governo e da atonia política da oposição.

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