Sócrates é uma “espada” pronta a ser desembainhada na campanha

Desenvolvimentos no processo judicial durante a campanha eleitoral podem esvaziar a discussão de ideias e “fulanizar” o debate.

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José Sócrates é acusado de ter conduzido Portugal à bancarrota Miguel Manso

Já era noite quando, a 24 de Novembro, o país soube que o ex-primeiro-ministro José Sócrates ficaria em prisão preventiva. O mediatismo de então acabaria por serenar, mas com o aproximar da campanha para as legislativas, o nome do líder, que deu a única maioria absoluta ao PS, voltará ao debate: “Uma parte do discurso eleitoral da coligação será a ameaça do regresso ao passado. O nome de Sócrates virá sempre. Mesmo não activando a prisão, será sempre activada a ideia do despesismo e da falência do governo Sócrates”, diz o politólogo António Costa Pinto.

Para o académico André Freire, o impacto da prisão na campanha será ditado pelos desenvolvimentos no processo. “É uma espada que está sobre as cabeças, não sabemos se vai desembainhada ou não, mas que está lá, está”, diz o especialista em Ciência Política, para quem era “desejável que não fossem libertadas” novas informações durante a campanha. Tal implica o risco de se despolitizar e fulanizar o debate, que deixa de ser sobre projectos políticos para ser “sobre corrupção e actuações indevidas”: “Esvazia a ideia de política”, avisa.

Ainda assim, o socialista e ministro em dois governos de Sócrates Augusto Santos Silva alerta para o “efeito boomerang” do aproveitamento político do caso: “Quem quiser politizar o caso, pode apanhar de ricochete”. Apesar de enaltecer o “comedimento” na abordagem dos políticos ao tema, Santos Silva não acredita que tal seja apenas por “uma questão de princípio”, mas porque “ninguém hoje em dia em Portugal pode considerar-se totalmente livre de se ver metido num processo kafkiano”. Por isso, prevê e espera que a atitude política de “tratar o assunto com pinças” não se altere.

É esta reserva que faz alguns protagonistas acreditarem que, sem revelações na campanha, os candidatos manterão uma distância de segurança em relação ao caso. “Nenhum dos outros partidos, designadamente os partidos da maioria, vai correr o risco de introduzir o tema na campanha eleitoral, porque pode ser contraproducente”, diz o social-democrata Marques Mendes.

Para António Costa Pinto, porém, “a associação do PS” a Sócrates, no sentido “negativo”, será “sempre activada politicamente” - mesmo que não o seja especificamente através da prisão. A questão é que se vai a votos e a maioria PSD/CDS vai usar as suas armas: “A coligação precisa de duas coisas para assegurar uma margem de dúvidas na sociedade: a colagem do PS à herança de Sócrates e à syrização”, diz Costa Pinto.

Mas também este especialista não tem dúvidas de que a questão “fundamental” é a evolução do processo judicial e a possibilidade de tal inflamar o debate. Sem isso, o que terá mais impacto na campanha será “a relação entre as actuais propostas do PS e a colagem ao passado”, diz Costa Pinto.

Impacto nos resultados
Mesmo registando uma “uma certa parcimónia” dos políticos a abordar o assunto, André Freire considera que revelações sobre o caso durante a campanha, aproveitamento político do tema e ampla cobertura mediática poderão ter efeito nos resultados. O politólogo argumenta que, como até agora as indicações de voto não mostram grande distância entre PS e coligação, “reduzidas flutuações podem ter impacto”.

Já Costa Pinto entende que, sem esses factores “surpresa”, a maioria do eleitorado não irá “alterar o posicionamento tradicional”. Apesar de reconhecer que casos como este aumentam a “desconfiança” em relação a todos os partidos, e não apenas a um, o especialista diz que “os segmentos descontentes não são aqueles que, ao desconfiar do PS, vão votar na coligação”. Abstêm-se ou votam nos partidos emergentes, nota.

Santos Silva admite que “qualquer evolução do processo” será “um facto também político”, mas não julga que a “posição” do secretário-geral do PS, António Costa, possa ser “minimamente beliscada”. Lembra que, desde o início, o PS criou uma “barreira de protecção” em relação ao caso: quando Costa falou no congresso – cinco dias depois da prisão preventiva de Sócrates – e quando o próprio ex-primeiro-ministro escreveu uma carta da prisão.

A 26 de Novembro, nessa missiva, apesar de defender que o caso tinha “contornos políticos”, Sócrates pedia que o que fosse “político” ficasse “à margem” do debate: “Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do PS só me prejudicaria, prejudicaria o partido e prejudicaria a democracia.” Também António Costa, logo no dia seguinte à detenção, fez questão de enviar uma mensagem aos militantes na qual dizia que “os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a acção política do PS”.

Marques Mendes reconhece que ter um “líder carismático” como Sócrates preso preventivamente é uma “sombra, um embaraço um incómodo, e um fardo, que perturba” o PS, mas não vai penalizar o partido. “Claro que o tema condiciona um bocado o PS e o discurso, mas o que vai penalizar o PS é a herança política de Sócrates. A maioria tem noção que Sócrates é um activo tóxico, mas não vai ter a tentação de ir pelo lado judicial”, frisa.

Para o comentador, o que prejudica é a introdução dos temas do “despesismo, da bancarrota e do pedido de resgate” no debate eleitoral, e os candidatos e cabeças-de-lista escolhidos, se forem da ala socrática: “Isso é que dá a imagem do passado”, diz.

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