Socialistas consideram “erro grave” veto de Costa a coligação com PSD

Alguns membros do PS contestam estratégia mais virada à esquerda por recearem que pode retirar votos ao centro.

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Francisco Assis assumiu-se publicamente contra a viragem do PS à esquerda Nfactos/Fernando Veludo

Francisco Assis não é o único socialista divergir da linha de orientação política e estratégica da nova direcção do PS e a defender uma coligação com o PSD no caso de os socialistas não alcançarem uma maioria absoluta nas eleições legislativas de 2015.

Mas para já, Francisco Assis, que optou por ficar de fora dos órgãos nacionais do PS por divergências com o modelo de partido escolhido por António Costa, é dos poucos a assumir  publicamente as suas divergências, embora mesmo assim se mostra disponível para colaborar como militante de base.

A poucos dias da realização do Congresso do PS, Francisco Assis defendeu, numa entrevista ao site Observador, que o PS não podia fechar as portas a um entendimento com o PSD. “Se ninguém tiver maioria absoluta é desejável que exista uma coligação [à direita] para garantir a devida estabilidade política”, disse.

O ex-deputado Ricardo Gonçalves, apoiante do ex-líder António José Seguro, considera que António Costa “está a cometer um erro grave ao deixar que o partido tenha uma carga muito ideológica à esquerda e que isso acaba por afectar a sua própria imagem”. “Ao colar o partido demasiado à esquerda radical afasta o eleitorado que está descontente com Pedro Passos Coelho e também não consegue ir buscar os votos à abstenção”, explica Ricardo Gonçalves, sublinhando que  se a “estratégia fosse outra Costa chegaria ao eleitorado que se situa entre o PS o PSD”.

Ao PÚBLICO, o ex-deputado, que integra a nova Comissão Nacional do PS, que saiu do congresso do último fim-de-semana, diz que “nunca imaginou que esse fosse o caminho do partido” e defende que o “PS tem de ser um partido plural, porque hoje os problemas são muito grandes”. Afirmando que uma coligação com o PCP e com o Bloco de Esquerda “não é viável, nunca o foi, nem nunca será”, Gonçalves refere que “essa mesma esquerda tem posições muito diferentes do PS em relação à Europa, à NATO e à moeda única”, por exemplo.

Uma outra fonte do PS-Porto, também conotada com António José Seguro, discorda desta colagem à esquerda “imposta” por António Costa e adverte que “há matérias em relação às quais o PS não pode ceder, como sejam integração europeia, questões atlânticas, reestruturação da dívida pública, Tratado Orçamental e moeda única”. “Estas são questões em que a esquerda tem uma postura radical”, declara a fonte, frisando que “apenas” no aspecto social e de alguma maneira ambiental há convergência.

Um outro dirigente nacional considera que António Costa está a fazer um exercício que consiste em dizer que está disponível para um entendimento com a esquerda, mas sabe que essa esquerda não vai querer aliar-se ao PS. E a solução será fazer uma coligação à direita, como defende Francisco Assis, nota o mesmo dirigente.

Sublinhando que o PS está dividido, metade quer que vire à direita e outra metade quer que vire à esquerda – “essa divisão estava estudada por António José Seguro”, diz a mesma fonte –“a melhor solução passa pelo PS fazer acordos de incidência parlamentar em 2015, talvez com o Livre ou com o Partido Democrático Republicano”.

Instado a comentar, um membro do novo secretariado de António Costa foi taxativo. “Não haverá acordos com a direita que convertam o PS num continuador da política dos últimos três anos”, explicou Sérgio Sousa Pinto. O dirigente criticou depois os críticos pela falta de visão em relação ao que os eleitores esperam do PS: “Aparentemente há quem no PS pugne pelo jogo da alternância. Isso esvaziaria o último congresso do PS do seu significado. Trata-se de não frustrar as pessoas e o seu legítimo desejo de mudança real na condução do país”.

Mas um dia depois do Congresso que sublinhou o discurso virado à esquerda parece haver pouco espaço para iniciar esse debate. E mesmo no seio da corrente em que o diálogo colhe mais apoios – a que agrega os apoiantes de Seguro e que ontem erradamente no PÚBLICO foram incluídos Eduardo Cabrita, José Manuel dos Santos e Isabel Santos – o conclave de Lisboa assistiu a atritos que lhe retiram força política.

A verdade é que na madrugada de sábado a negociação das listas para os órgãos fez estalar uma disputa entre os que estão mais próximos de Álvaro Beleza e um grupo liderado por Miguel Laranjeiro, José Luís Carneiro, Rui Solheiro e Miguel Ginestal. Naquela noite, as listas foram revistas por mais de uma vez, com incidentes caricatos em que até alguns dos dirigentes mais próximos de Costa se viram forçados a intervir.

O braço-de-ferro sobre a indicação de nomes para os 30% que couberam aos apoiantes de Seguro deixou cicatrizes entre os dois grupos. E não é de descartar que no futuro estas duas facções se venham a digladiar pela liderança do que resta da corrente que foi encabeçada por Seguro.

Entretanto, no Porto, Manuel Pizarro, líder da concelhia do PS-Porto, que integra a nova direcção de António Costa, deverá deixar nos próximos dias a liderança do órgão concelhio para assumir o lugar no secretariado nacional, órgão de confiança do secretário-geral, para o qual foi eleito congresso do último fim-de-semana.

Pizarro deverá convocar a comissão política ainda esta semana para fazer a passagem do testemunho ao número dois da lista, Tiago Barbosa Ribeiro, porque os estatutos proíbem a acumulação de cargos executivos.

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