“Só aceitamos continuar na Pátria portuguesa se nos sentirmos bem”, ameaçou Jardim

Sem novidades no discurso dito de despedida, o líder histórico do PSD madeirense repetiu as ameaças separatistas e os ataques a Lisboa e aos opositores.

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Presidente do governo regional em campanha eleitoral, em 2011 Rui Gaudêncio

Sem a vaga de fundo que poderia levar a ponderar uma recandidatura, Alberto João Jardim fez este domingo a despedida do palco do Chão da Lagoa. Sob vaga de calor, mais solar do que humano, terminou o discurso trocando a ribalta pela plateia composta por muito menos que as 30 mil presenças anunciadas pela organização.

"Vim de vós, saio no meio de vós, quero terminar no meio de vós". Enigmático, terminou o discurso com um aviso: "Eu vou-me embora, mas a luta continua". Antes, apagou as velas no bolo do 40º aniversário do PSD, minutos depois de ter admitido “caminhar com outra formação política”.

"Com estes quatro partidos não vamos a parte nenhuma”, justificou Jardim com fortes ataques ao PSD, CDS, PS e PCP. Aos comunistas porque “fazem manifestações, berram na rua” e “não querem” mudanças. Aos socialistas porque “dizem não a tudo” e querem “manter tudo na mesma”. Aos partidos da coligação, PSD e CDS, porque “falam de reforma do Estado”, mas “cortam nos salários e nas pensões” e “rebentam com direitos adquiridos”, o que “não é reforma do Estado", sublinhou. Por isso, “temos de fazer a mudança política em Portugal”, preconizou.

O presidente do PSD e do governo regional disse recusar, “categoricamente, fazer parte de um Portugal que se diga Estado Unitário". E dizendo não aceitar que a Lei Fundamental da República “diga esta expressão”, o também membro do Conselho de Estado declarou que “a Constituição mente”, porque ”nós temos poder legislativo próprio”, “mente” para os “tribunais e o Governo de Lisboa poderem, com pretexto nesta expressão falsa e mentirosa, continuar a fazer todas as arbitrariedades” e “ a dizer que não temos direito a isto e aquilo para poderem abusar de nós".

Depois veio a ameaça separatista, incontornável nos inflamados discursos anualmente proferidos nesta festa-comício: “Só estaremos na mesma Pátria portuguesa se nos sentirmos bem”, porque “não aceitamos estar na Pátria portuguesa com uma Constituição imposta pelas pessoas de Lisboa”. E repetiu: “Na Madeira, mandam os madeirenses".

Enquanto a Madeira não tiver “mais autonomia política”, não se livra dos “problemas de Portugal”, frisou Jardim ao lembrar as suas propostas de revisão constitucional. “Não podemos aceitar mais estas políticas de austeridade do Estado português e da União Europeia”, disse com críticas às políticas do governo da República. Verberou o Estado que durante cinco séculos “roubou” (sic) a Madeira, retomando a tese do estudo “deve e haver”, encomendado pelo seu governo para mostrar que não era despesita, e que custou ao erário público 532 mil euros. Sobre os problemas da região, nomeadamente os constrangimentos do plano de resgate madeirense, nada disse. Apenas justificou que fez dívida para recuperar do facto de ser a região mais pobre de Portugal.

No discurso, antecedido de intervenções do secretário-geral Jaime Ramos e do líder da JSD Rómulo Coelho, não faltaram os avisos internos, com o apelo aos militantes para que não deixem o partido cair "nas mãos dos que querem andar com isto para trás". O novo líder do PSD, advertiu Jardim sobre as eleições directas de Dezembro, “não é para andar aí a brincar às confrarias”, tem de ser “uma pessoa que o povo goste” e que “vote nele”. E, se acabar com a festa do Chão da lagoa, "é maluco e deve ser posto na rua".

Os candidatos à sucessão, alheios às advertências, aproveitaram a concentração de militantes para cativar e angariar apoiantes. Miguel Albuquerque, o mais hostilizado no discurso do ainda líder, chegou rodeado de inúmeros apoiantes à herdade da Fundação Social Democrata, onde, mais discreto, esteve Sérgio Marques. João Cunha e Silva, na hora das intervenções, subiu ao palco com Manuel António Correia, outro candidato próximo do líder cessante. E Miguel de Sousa, com barraca própria no recinto por onde Jardim fez o tradicional périplo de comes e bebes, aproveitou o encontro para divulgar o seu manifesto eleitoral.

Jardim pode não sair em Janeiro
“Cansado do PSD, mas não da Madeira”, como tem repetido, o presidente do governo regional encontrou em Belém a justificação para não renunciar ao cargo em Janeiro e manter-se no poder até Outubro de 2015, termo do seu décimo mandato.

O Presidente da República, segundo vem alegando Jardim, não aceita a mudança de governo sem novas eleições. Sendo assim, diz-se forçado a continuar na Quinta Vigia, adiando pela enésima vez a anunciada saída. Isto se o novo líder do PSD, a ser eleito a 19 de Dezembro, aceitar ficar restrito ao partido, num cenário de coabitação que Miguel Albuquerque, por exemplo, rejeita.

Se vencer as directas, eventualmente na segunda volta a 29 de Dezembro, o ex-presidente da câmara do Funchal pretende ver reforçada a legitimidade da liderança, no partido e governo, através eleições regionais que provocará com a dissolução do parlamento. Tem a seu favor um novo argumento paradoxalmente dado pelo próprio Jardim: “A posição de presidente [do governo] deve coincidir com a do líder partidário. Corpos com duas cabeças nunca deram certo”.

 
 

   

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