Simpatizar

Costa representa – incomensuravelmente mais do que Seguro – a possibilidade de diálogo à esquerda e com a sociedade civil e os movimentos sociais.

Inscrevi-me como simpatizante do PS e vou votar em António Costa. Fui deputado independente pelo PS durante a liderança de José Sócrates, sem nunca me ter tornado militante daquele partido. Antes dessa experiência parlamentar tinha estado alguns anos afastado de envolvimento com forças partidárias, após ter saído do Bloco de Esquerda. Neste pertencera à corrente oriunda da Política XXI, de que é hoje herdeiro o grupo do Manifesto – que recentemente abandonou o BE.

Isto para dizer que há muito me posiciono politicamente numa nebulosa (a escolha da palavra não é casual...) entre os setores mais à esquerda no PS e os setores ideologicamente mais moderados do Bloco de Esquerda (em rigor, já não são deste partido). Esta área não tem conseguido encontrar um espaço de formulação prática da sua visão do mundo e das suas propostas, embora neste momento, com a criação do Livre e a renovação do Manifesto já fora do BE (a que poderíamos acrescentar a presença ativa no espaço público de pessoas mais à esquerda no PS), tal comece a acontecer. É neste quadro que a candidatura de António Costa me surge como crucial.

Todos sabemos que a esquerda portuguesa padece “da síndrome de 1975”, que faz com que a grande divisória se estabeleça entre os partidos do arco do poder e os partidos à esquerda do PS – em vez de se estabelecer entre a direita e uma esquerda que inclua o PS. Por um lado, os partidos à esquerda do PS padecem de formas de irredentismo e maximalismo que parecem centrar-se mais na pureza absoluta de princípios e na motivação utópica do que propriamente na vontade de intervir para a resolução dos problemas das pessoas em tempo útil, recusando participar numa governação que esteja “contaminada” pelo PS. O Bloco de Esquerda ainda tentou quebrar com essa síndrome, pelo menos na atuação parlamentar e na articulação com movimentos sociais em certas áreas, mas desfez-se por isso mesmo, por resistência dos mais irredentistas a essa “deriva”. Por outro lado, o PS padece da indefinição e negociação de interesses que caracterizam grandes partidos transversais do arco do poder, do envolvimento com ou subserviência aos poderes efetivos na nossa sociedade e economia, e do descalabro ideológico da social-democracia europeia nas últimas décadas.

Duas coisas não acontecerão certamente entre nós – ou espero que não aconteçam, dada a comprovada tentação totalitária de ambas: um movimento revolucionário contra a insustentável situação em que vivemos; ou o surgimento de um qualquer líder carismático e populista que pretenda neutralizar as divisões esquerda/direita. Mas, por outro lado, nada de novo acontecerá na nossa comunidade nacional, se os setores progressistas continuarem a organizar-se segundo a clivagem de 1975, se o PS se afundar ainda mais na dependência das oligarquias e se a esquerda à esquerda do PS se cristalizar ainda mais no pensamento utópico e no fundamentalismo que ele gera.

As mudanças verdadeiras raramente são súbitas e radicais. E esperar por elas equivale a um confortável acomodamento. Prefiro apostar em mudanças subtis, que possam abrir portas e pontes. Seguro representa, mais do que Costa, o lado pantanoso (ia dizer “nebuloso”, mas a auto-ironia raramente é compreendida entre nós...) do PS. Costa representa – incomensuravelmente mais do que Seguro – a possibilidade de diálogo à esquerda e com a sociedade civil e os movimentos sociais. Percebo o que leva os mais críticos a dizerem que tudo isto não passa de uma disputa de estilos e personalidades, mas não têm razão ao desprezarem a importância desses fatores, sobretudo num partido abrangente, transversal e da área do poder (para o bem e para o mal). Na política institucional, tal como se faz hoje e goste-se ou não, o jogo simbólico das lideranças tem uma grande importância. E o que António Costa simboliza é a possibilidade de a nebulosa a que me referi poder ganhar massa, forma e energia. “Nebulosa” essa que não é feita de uma mão-cheia de intelectuais, mas corresponde antes a uma disposição, que poderia chamar de “social-democrata”, em grandes segmentos da população e enraizada desde o 25 de abril – os valores da liberdade, da democracia, do Estado social, da igualdade e do cosmopolitismo.

Ou ajudamos a começar a mudar o PS, em 2014, ou ficamos em casa assistindo ao triste e seguro espetáculo da perpetuação de 1975.

Apoiante de António Costa, ex-deputado pelo PS

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