Silêncios de Cavaco são “inadmissíveis”, diz Arménio Carlos

CGTP agenda concentração frente ao Parlamento para 1 de Novembro. Em Lisboa, alguns dos manifestantes que ouviram Arménio Carlos seguiram para o bloqueio do porto de Lisboa. No Porto, a organização reclama mais de 50 mil pessoas.

Fotogaleria
O secretário-geral CGTP fez um discurso voltado para a unidade dos trabalhadores Miguel Manso
Fotogaleria
Os apelos à demissão do Governo foram uma constante Miguel Manso
Fotogaleria
Em Alcântara foram muitos os manifestantes Daniel Rocha
Fotogaleria
Autocarros em fila no início do desfile Daniel Rocha

A chuva forte que começou a cair minutos antes de o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, discursar obrigou alguns manifestantes a saírem do corredor central da concentração em Alcântara (Lisboa) e a procurarem abrigos nos beirais dos edifícios, paragens de autocarros e entradas de armazéns. Uns aguardavam à chuva, outros protegidos de chapéu aberto ou mesmo debaixo das lonas do protesto.

A chegada à concentração em Alcântara, depois da “marcha sobre rodas” na ponte 25 de Abril, fez-se a pé pelas várias ruas que desembocam no corredor da rua João de Oliveira de Miguens e da rua Cascais.

“Cavaco, é tua obrigação aceitar a demissão”, gritava-se no palco e entre a multidão que ia chegando e assistia virada para a ponte. Depois, foi Arménio Carlos, já a discursar, quem se dirigiu ao Presidente da República e ao Governo. De Cavaco Silva e do executivo, disse, são “inadmissíveis os silêncios” sobre aquilo que considerou serem as “chantagens” de Durão Barroso e da “senhora Lagarde” sobre o Tribunal Constitucional.

O secretário-geral da Intersindical fez um discurso voltado para a unidade dos trabalhadores. É preciso “juntar forças e vontades”, juntar “posições”, desenvolver “propostas comuns”, diria aos jornalistas pouco depois de discursar.

No palco, deixou um apelo concreto: para a manhã de 1 de Novembro anunciou uma concentração junto à Assembleia da República, onde nesse dia é votado na generalidade o Orçamento do Estado (OE) para 2014.

A data não foi escolhida ao acaso. É uma acção contra o orçamento: para rejeitar a proposta do Governo, pedir a demissão do executivo e exigir eleições antecipadas. Mas é também uma acção numa data simbólica, contra a abolição do feriado do 1 de Novembro, que Arménio Carlos considerou ser um “roubo” dos trabalhadores.

“Este é o tempo que exige a participação de todos”, disse, apelando à participação de trabalhadores com vínculos efectivos e precários, funcionários públicos, reformados, desempregados e jovens.

Rostos do protesto
A ouvi-lo estão lá os rostos da contestação. Alexandre Graça, reformado de 67 anos, veio de Vila Franca. Trabalhou 35 anos na EPAL e recebe hoje de uma magra pensão de 800 euros, que será cortada – calcula – em 65 euros. É com este dinheiro que sustenta um filho doente e outro que está a estudar, mas que, conta, vai ter de deixar a universidade.

“Estou contra o roubo dos direitos que adquirimos”, diz em conversa com o PÚBLICO. “Este Governo é fascista, não ouve as pessoas. Já não há Concertação Social nem Assembleia da República.” Ao fazer a travessia do Tejo, emocionou-se sobretudo ao ver carros que não estavam na manifestação “a apoiar e a buzinar”.

O mesmo diz Samuel Oliveira, 23 anos, que saiu cedo da Nazaré para não perder o protesto em Alcântara. Esteve dois anos desempregado e está agora a frequentar um estágio profissional do IEFP, o que faz dele um entre milhares de jovens trabalhadores precários. “O estágio não tem as melhores condições. Não tenho férias e sou mal pago”, conta. O que o levou ali? “Fazer com que o Governo abra os olhos para o que está a fazer ao país.”

Terminado o discurso de Arménio Carlos, alguns participantes seguiram para o bloqueio do Porto de Lisboa, a poucas centenas de metros dali, para uma iniciativa reivindicada por estivadores. À frente, uma faixa: “Pára o Porto, Pára Tudo”, lia-se numa faixa. Nesta concentração, que promete “parar o porto” em Alcântara, o ambiente esteve calmo. Ali chegaram a estar cerca de 200 pessoas, mas alguns começaram a desmobilizar e pouco depois das 18h a concentração já não tinha participantes.

Raquel Freire, realizadora e activista, foi um dos rostos conhecidos que acompanhou a marcha, para “mostrar solidariedade com os estivadores e mostrar a este Governo que não se vai recuar”. Este “é o tempo de fazer pontes e de união”, diz ao PÚBLICO.

A paragem dos estivadores obrigou ao desvio de vários navios, que deveriam ter atracado no Porto de Lisboa este sábado, segundo o Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul.

Ao início da tarde, aconteceu a “marcha sobre rodas” na ponte 25 de Abril, com centenas de autocarros e carros numa fila compacta em marcha lenta e debaixo de um persistente buzinão. Foi uma das duas marchas que a Intersindical convocou para este sábado em Lisboa e Porto, duas acções de protesto que o secretário-geral da Intersindical, Arménio Carlos, esperava ver “com muita força, com muita dinâmica, com muita consciência”.

Os primeiros autocarros que saíram dos vários concelhos do distrito de Setúbal em direcção a Alcântara fizeram a travessia da ponte 25 de Abril com normalidade. Os veículos circulavam com a distância de segurança recomendada pelo Código da Estrada e, tal como a CGTP prometera, sem qualquer indício de bloqueio da ponte. O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, que também fez a travessia num dos autocarros, dizia que o protesto decorria de forma “serena”, mas com “muita azáfama”.

A saída do líder da Intersindical fez-se do Marquês de Pombal, ponto de partida habitual de tantas outras manifestações na capital. E, ainda antes de arrancar num dos quatro autocarros ali concentrados para seguirem para a 25 de Abril, Arménio Carlos dizia ao que vinha: “Não estamos aqui apenas e só para contestar, estamos aqui também para mostrar que há caminhos alternativos que podem resolver os problemas do país e do povo”.

Questionado pelo PÚBLICO sobre o apoio que o secretário-geral da UGT deu ontem à acção de protesto deste sábado, relativizou as declarações de Carlos Silva e disse que o que está em causa na jornada da CGTP “é a defesa dos trabalhadores e da população portuguesa, independentemente do posicionamento político-sindical [de quem participa]”.

E mais do que diferenças, reforçou, é preciso unir esforços. Sem se querer adiantar sobre próximas acções de protesto, quando foi questionado sobre a possibilidade de convergência com a UGT para realizar uma nova greve geral, respondeu: “Uma coisa de cada vez”. E acrescentou: “Queremos construir unidade na acção e unidade na acção não se constrói [só] na unidade das cúpulas, das centrais, constrói-se na unidade dos trabalhadores. É por causa disso que vamos ter uma série de acções de luta muito significativas nas próximas semanas”.

Mais de 50 mil no Porto, diz a organização
No Porto, onde a manifestação começou por volta das 15h20, a União de Sindicatos do Porto reclama mais de 50 mil pessoas no protesto que partiu a pé da ponte do Infante. Mais de 100 autocarros chegaram à cidade, avançou ao PÚBLICO João Torres, coordenador da estrutura sindical.

“São mais de 100 autocarros com trabalhadores dos distritos de Aveiro, Braga, Bragança e Vila Real. Aqui não há problemas de segurança”, disse. O líder sindical explicou ainda que o objectivo da manifestação “é a exigência nas ruas da demissão do Governo e da realização de eleições antecipadas”.

Pelas 16h15 o desfile chegava à avenida dos Aliados, e ainda havia pessoas a passar a ponte do Infante, onde se iniciou a marcha. O desfile tinha, nessa altura, mais de dois quilómetros de extensão. “É uma das maiores manifestações ocorridas no Porto nos últimos anos”, disse João Torres.

Artigo corrigido às 21H54 de 20.10.2013: a realizadora e activista referida chama-se Raquel Freire e não Raquel Varela.
 
 

Sugerir correcção
Comentar