“Sem o apoio alemão, a transição democrática em Portugal estaria ameaçada”

Klaus Wettig foi um dos três elementos do “grupo de contacto” permanente do SPD alemão em Portugal, após o 25 de Abril. Numa conferência, esta segunda-feira, no Instituto Goethe, em Lisboa, explicou a importância de Portugal na época.

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Miguel Manso

“Todos os partidos alemães apoiaram financeiramente os principais partidos portugueses, através das suas fundações”, lembra Klaus Wettig professor universitário e ex-dirigente do SPD alemão. Esse apoio, concertado no parlamento da antiga RFA, saía directamente do orçamento federal e era, depois, atribuído às duas grandes fundações ligadas aos dois maiores partidos alemães. A Friedrich Ebert, do SPD, apoiava o PS português; a Konrad Adenauer, da CDU, o partido da actual chanceler Angela Merkel, apoiava o então PPD, actual PSD. “Esse apoio tinha de ser sigiloso. Era suspeito. Era visto como uma tentativa de influenciar o processo político português”, lembra Wettig, 40 anos depois, ele que foi um dos principais elos de ligação entre os sociais-democratas alemães e os socialistas portugueses, nos anos quentes da revolução.

Por ser tão sigiloso, esse apoio ainda não é, apenas, um facto histórico. Reinhard Naumann, da Fundação Friedrich Ebert em Lisboa, explica que um debate sobre o papel da Alemanha na transição portuguesa demorou algum tempo a organizar. Um ex-assessor, alemão, das campanhas de Mário Soares disse-lhe, em tempos, que “ainda era cedo” para falar em público: “Aquilo que posso dizer não interessa e aquilo que interessa não posso dizer…”

Wettig explicou, para um auditório cheio, no Instituto Goethe, sobretudo com várias personalidades do PS (Maria Barroso, Vera Jardim, Ana Gomes e Paulo Pisco), que aterrou em Portugal, no início de 1975, preocupado: “Estava preparado o caminho para uma hegemonia comunista.” Wettig era “especialista em campanhas eleitorais” e trabalhou, directamente com Mário Soares, na determinante eleição para a Constituinte, no dia 25 de Abril de 1975.

A sua deslocação, com dois outros membros do SPD, um intérprete e um assessor político do Parlamento Europeu, deveu-se à intuição de Willy Brandt, o ex-chanceler que visitou Portugal em Novembro de 1974, com uma delegação da Internacional Socialista: “Brandt conhecia as técnicas de poder dos comunistas na Guerra Civil espanhola. Ele não subestimava o poder do PCP em ligação com a União Soviética”. Em Maio, antes de ter estado em Lisboa, Brandt demitira-se da chefia do Governo alemão por ter, no seu gabinete, um espião da RDA – a metade alemã comunista, que apoiava, segundo Wettig, “com muito mais meios”, o PCP português. Entrou para o seu lugar Helmut Schmidt.

O apoio da RFA traduziu-se em três coisas, concretas: dinheiro, “cerca de 10 milhões de marcos”, para os principais partidos portugueses; “formação política” para o crescente número de eleitos (autarcas, deputados, dirigentes) e ajuda nas campanhas.

Foi assim que nasceram as fundações ligadas ao PS, lembra Vera Jardim, como José Fontana, “sem a qual não teria havido a UGT”, e a Antero de Quental, com um papel na formação dos autarcas socialistas.

Foi o “apoio certo, no momento certo”, lembra António Reis. Ainda que Wettig lamente, hoje, que a “normalização” portuguesa tenha ido longe demais, sobretudo no recuo da reforma agrária: “A correcção da reforma agrária devia ter sido feita com mais cautela, no meu entender. Havia cooperativas que tinham pernas para andar…”

Ainda assim,  destaca Wettig, “a experiência da transição portuguesa é muito importante para o que se está a passar, agora, no Leste”. Ana Gomes, eurodeputada socialista, concorda: “Vejo muitos paralelismos com o que se está a passar na Ucrânia”. Mas para a portuguesa, a política, que tinha “lideranças claras” em 74, cedeu a primazia a “interesses económicos poderosíssimos”.

 

Notícia alterada às 14.02, corrigindo a data de demissão do ex-chanceler da RFA Willy Brandt.

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